Você e eu nos queixamos que o tempo anda em falta. Aceleramos o passo e mal vemos as azaleias que florescem. A chuva é apenas o alívio do calor, não o tamborilar das gotas no telhado, a música que se derrama noite adentro. Sentimo-nos obrigados a acompanhar todas as notícias, a ler jornais e discutir os fatos. E a vida passando, com tão pouca poesia. Ignoramos o mais fundamental, de respirar com consciência, legitimando este milagre. Deixamos de lado a lentidão, respingando nas pessoas a certeza de que há urgência em tudo. Esquecemos as palavras de Buda e de Jesus.
Acreditamos que os ensinamentos migraram para a lista dos livros mais vendidos da semana. Moral e ética são palavras que desbotaram, como esses cartazes que o vento vai rasgando pelos muros da cidade. E nos sentimos tão bem quando um comentário na rede social foi curtido: fomos reconhecidos, aprovados, aplaudidos. Precisamos mostrar fotos do café da manhã e da caminhada, do presente recebido e da roupa nova. Temos certa desconfiança das pessoas que se exibem pouco, como se a discrição fosse uma falha de caráter. Movemo-nos pelo mundo convencidos de que as coisas não findam. E deixamos o abraço para amanhã, desconsiderando que o corpo é falho e que a mortalha pode ser um leito. Logo ali.
O que fazer?
Meu ritual preferido, antes de deitar, é lembrar de um verso, um pequeno feixe de palavras que me ajudam a recuperar a lucidez. E, como um aluno que repassa sempre a mesma matéria, repito para mim mesmo esse alerta que deveria ser afixado nas paredes do quarto, na sala de trabalho: tudo é impermanente, imprevisível, incompleto. Há uma tendência natural para o desgaste, para a surpresa e a fissura. Como se nosso destino fosse construir sobre areia. O belo se torna ressacado e o poder é a antessala do que é olvidado. Pois então, curta o dia, o momento - as paisagens amam formar novos desenhos, à revelia de nossas vontades. Melhor é desistir dessa fome de controlar o que não podemos. Olhos abertos e atenção constante, eis o que nos é permitido fazer. E que esteja também em nós o gosto pelo espanto, o abandono da agenda que nos faz existir com rigidez. E a tolerância com as tantas vezes que erramos. Ruim é emparedar-se, dificultando o reconhecimento de que o humano é feito com o barro do que dá certo e do que não dá. E que prazeroso saber rir dos tropeços, mitigando a raiva do que resultou imperfeito.
Pode-se aprender mais numa aldeia do que no burburinho das grandes cidades. Lá a poeira encobre as estrelas e os pensamentos que antecipam a alma aquietada. Ah, e que esteja em nós a compreensão de que meditar é acordar para dentro. Quando chegarmos ao destino dessa solidão interior talvez encontremos o pleno vazio. O descanso.
Conte com voz mansa sua própria história, que felizmente será esquecida, como todas. Não deixe que o espírito oxide. E respire.