Por esses dias, andei carente de beleza. Então, procurei ver vários filmes com final feliz. Reli trechos de romances em que tudo dá certo para os protagonistas. Insatisfeito, fui ao encontro de amigos explicitamente otimistas. Depois dessa maratona, recebi doses maciças de dopamina e me senti tão bem! Deu vontade de sair por aí abraçando desconhecidos na rua. E pensei o quanto da nossa vida é estragada por passarmos os dias nos alimentando de coisas tão feias que roubam a potência de viver.
Política, meu Deus, política! Só se for para reler a República, de Platão. Ando decepcionado com os jogos ardilosos para angariar poder. Acabo colocando no mesmo balaio os poucos que ainda sabem ser a ética um valor. Lamento. A propósito, se quiser uma maneira rápida de se desviar da felicidade, basta assistir ao noticiário. Mas será preciso ser um completo alienado para se abastecer de alegria? Os ecos do mundo chegarão a você, fique tranquilo.
Andamos conectados demais: é impossível deixar de receber informações de cá e de lá. Troco isso por conversas educativas com quem admiro. Aprendo a me distrair menos com superficialidades e a apreciar estes crepúsculos em que o ruído aumenta do lado de fora, mas a serenidade faz residência em mim do lado de dentro.
Em uma recente palestra sobre inteligência artificial, um cientista desconsiderou a ideia dela ter sido criada para ocupar o espaço do ser humano. A intenção é ser uma aliada poderosa, ampliando o conhecimento já existente, disse ele. Será?
Drummond falou, em um poema: o homem se preocupa em colonizar Marte, civilizar Marte, e esquece de fazer a perigosa viagem de si para si. Quando nos tornamos pura exterioridade, ignoramos a capacidade de explorar a complexa riqueza do universo interior. Sem isso, imagine, não haveria poesia, cinema, música, dança. Em seu lugar, aperfeiçoaríamos as técnicas que permitem matar de forma “limpa”, sem ver o rosto dos inimigos.
Estrategistas militares europeus estão estudando o voo do colibri para extrair da bela e delicada criatura elementos a serem usados em combates de guerra. Esse delicado pássaro sendo utilizado para sofisticar formas de matar.
Resolvo continuar inventando uma espécie de realidade paralela, extraindo lirismo onde parece não haver. Estou farto de pessoas viciadas em tristeza. Sim, a gente se acostuma até a ser infeliz e é urgente atacar essa epidemia silenciosa que anda por aí contaminando a tantos.
Vou me proteger para continuar saudável. Sempre encontraremos beleza se formos capazes de filtrar através do olhar os resíduos de doce satisfação vindos a nós cotidianamente. Pequenas delicadezas às quais gosto de chamar de milagres avulsos.
Sinto-me como um Diógenes em busca de seres ocupados em iluminar as suas existências. Que os outros fabriquem escuridão. Quero a doçura das límpidas manhãs. Uma aurora feita de abraços.