Às vezes nem percebemos, mas todo santo dia somos atravessados pela esperança. Impossível viver longe dela. A realidade pode ser dura, implacável. Então, sem pensar, damos um jeito de colocá-la em evidência, como uma boa amiga à qual se recorre. Quando lemos na Bíblia “teu reino não é deste mundo”, já estamos dando a ela um considerável destaque. Daí para ser algo central é um pequeno passo. Aliás, as religiões são eficazes em nos conduzir a essa percepção, relegando verdades objetivas a um papel secundário. Desejamos aquilo que está ausente e sonhamos com novas posses.
Vou apostar no amanhã, pensamos, encharcados de convicção. Quem espera sempre alcança? Talvez, porém baixemos as expectativas exageradas, por favor, evitando espreitar pela janela, sonhadores, enquanto tudo vai seguindo em volta. Ando gastando várias fichas na ação, deixando o mais um pouco de lado. Cuido para não me apoiar em miragens. O tombo costuma ser maior ainda. Uma vez ou outra, vá lá, é necessário estender o olhar para além do dia a dia, pois estar no agora se tornou difícil para muitos, tomados pela ansiedade.
Em um belo poema, Mario Quintana disse: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano vive uma louca chamada Esperança.” Para tantos ela habita o infinito e fica gravitando ao seu redor. Pois somos uma raça que desconhece a possibilidade de subsistir somente daquilo que lhe é entregue. Já em janeiro, enchemos as sacolas de incertas certezas. A chegada de um amor, dinheiro em abundância, horas para gastar livremente, felicidade, alegria. Miramos adiante, como se o agora fosse cheio de insuficiências. Há aí uma dose de escapismo. Fincar o pé no real também é um excelente modo de celebrar, em qualquer época.
Eu acredito no trabalho e na persistência, na observação inteligente do que nos acontece. Reservo, sim, um espaço para investimentos a médio e longo prazo. Dou-lhes um lugar despretensioso, no entanto. Pá e enxada nas mãos, vou cavando meus tesouros de maneira febril, quase sem descanso. E me predisponho a fazer isso em uma pálida segunda-feira de manhã, por exemplo. Creio na investigação interior, na vontade e na vitória sobre as paixões tristes.
Vai aqui uma sugestão desse modesto escriba: não se atire de tão alto. Permaneça no rés do chão, olhando para o céu, admirando as estrelas. Já vi tanta gente se alimentar só de quimeras. Gosto da concretude, mas levo em conta que se a alma dói nos sustentamos no porvir, na doçura de tempos mais propícios. Como em uma receita, o segredo está no equilíbrio dos ingredientes.
Faça o ano começar todos os meses. Algumas coisas exigem determinação. Outras, se instalam lá na mente, enganadoras. Invista na sua capacidade de conquistar e esqueça o pensamento mágico. Priorize o suor do rosto e deixe de lado o devaneio. “A vida não te dará presentes: será preciso que os roubes”, disse a escritora Lou Andreas-Salomé. Vamos praticar juntos esse assalto?