Há algo mais agradável, neste alvorecer de janeiro, do que propor um elogio aos afetos? Em 2022, tive a alegria de conhecer Enrique, um jovem de dezoito anos. Vindo da Venezuela, foi impactado pela ausência de sua terra, da língua materna e dos familiares. Culto, inteligente e sensível, buscou na arte, sobretudo na escrita, uma salvação para os dias que se anunciavam soturnos. Atravessamos, incansavelmente, longas noites conversando sobre variados assuntos, principalmente filosofia. Aprendemos e ensinamos um ao outro.
Meu propósito, desde o início, foi resgatar nele o gosto de viver, esfacelado por esta dura experiência. Tal intento parece ter obtido bom resultado. Seu espírito já se assemelha a uma límpida manhã. A evidência é esta carta que dele recebi. A sabedoria e profundidade nela contidas, incitam-me a partilhá-la com você.
“Já fui homem de profundas tristezas e melancolias, carregado de momentos solitários que causavam dor na minha vida. Sentia-me desamparado, desentendido. Todo esse desconforto emocional era acompanhado por uma visão fatalista e diversas foram as vezes em que concluí que o estado de solidão me era natural. Numa tentativa de apaziguar estes sentimentos tão cruéis, arquitetei um mundo interior cheio de mecanismos emocionais para suprir a falta de carinho e amor. Entretanto, estes tormentos não cessavam de maneira alguma, e permaneciam inertes como aparenta ser uma montanha. Como todas as coisas existentes, algo mudou um dia, e percebi que apenas a própria presença não era o suficiente.
A escola da vida, ora sábia, ora indiferente, revelou a cegueira dos meus olhos, negando a beleza do outro e da minha própria alma, fugindo do calor dos demais seres. E quando me tornei consciente que era necessário mudar, a vida começou a se aquecer. Não tenho certezas, mas reconheço existir uma magia, um prazer, em sentir que nada já me é alheio. Aristóteles acreditava que o cultivo de bons relacionamentos conduziria ao caminho da virtude. Seres humanos bons, cujo requisito para alcançar esta condição seria a similaridade da bondade, pois haveria um estado de permanência, de lealdade, proporcionando um lugar seguro em horas tempestuosas. Não obstante, cabe apontar que as raízes de uma boa amizade exigem o íntimo cuidado, provas de amor e especialmente um tempo valioso de convívio.
Censuro aqueles que ditam fórmulas de como deve ser vivida a existência. Para surpresa de alguns, não encontramos homem tão sábio ou velho capaz de responder a essa incógnita, pois, convenhamos, apenas sobram perguntas. No entanto, acredito com firmeza serem necessários bons companheiros de vida, com caráter rico em essência e em saberes, para que as horas gastas sejam de refinada qualidade. Dessa forma, o único bem que temos — o tempo — será usufruído em prazeres da alma.
Anteriormente, declarei-me como um ser triste e melancólico. Os ventos que sopram hoje são diferentes, visto ter escolhido fazer boas amizades. Agora me considero um homem rico, um homem de fortunas.”