Será mesmo necessário escrever livros sobre a gentileza? Deveria ser algo tão natural que sequer haveríamos de pensar sobre o assunto. A prática cotidiana nos mostra, contudo, que ela tem estado não só ausente, como dado margem ao surgimento de manuais que nos ensinam a agir com respeito e civilidade. Um dos mais instigantes chama-se "Shinsetsu, o poder da gentileza", do filósofo Clóvis de Barros Filho. Numa linguagem objetiva, recheada de exemplos, revela o quão distantes estamos do que é o centro dos relacionamentos humanos. Mas não, diz o professor, em seu significado primeiro, o de considerar o outro, ela parece ter sido excluída dos mandamentos modernos. Isso pode ser verificado nas filas de bancos, supermercados e, com recorrência assustadora, no trânsito.
Resisto à ideia de pensar que estamos piorando. Creio que apenas aumentaram as possibilidades de mostrar o nosso lado menos racional, mais egoísta. Relacionamo-nos com muitas pessoas e essa espécie de compressão do tempo nos autoriza a querer ser sempre os primeiros, atropelando as regras mais elementares da delicadeza. Nada justifica, no entanto, que tenhamos engavetado o gesto suave, a escuta atenta, a permissão para que os demais sejam tão importantes como nós nos consideramos. Passe uma rasteira no seu ego e acolha algo mais do que a sua soberana vontade. Resista à tentação de se sobrepor, pois esse exercício de humildade pode lapidar admiravelmente o seu caráter.
Mas de pouco valerá esse esforço se o seu objetivo for ter como resposta algo parecido ao que se propõe. Aqui a gratuidade precisa ser o que desencadeia o gesto. Não espere nada do vizinho, do amigo, do desconhecido. Quando não há reciprocidade de atitudes, não se arrependa de ter sido uma pessoa generosa, cordata, que sabe ceder o seu lugar em benefício alheio. Você terá seu maior ganho na própria ação, no sentimento que ela desperta nas almas solidárias. Andamos excessivamente movidos por interesses. Despojar-se dessa atitude mental pode ser o primeiro passo para depor as armas que empunhamos com tanta frequência. Tornamo-nos filhos da pressa e constatar como conseguimos ser espertos passou a se constituir numa prova de sagacidade.
Felizmente as sociedades orientais continuam evidenciando a grandeza da contenção. De refrear alguns impulsos que nos dão, quanto muito, satisfação imediata e efêmera. Se não puder ser um Buda, alimente a ideia de aderir a alguns de seus sábios ensinamentos. A vida não deve ser um toma lá dá cá, um cada um por si. Saber acolher é um princípio religioso. Então, toda vez que esbarrar em alguém que costuma ter atitudes grosseiras, revide com a elegância de um monge: dê o troco mantendo a calma e, numa prova de superioridade moral, sorria, seja amável, agradeça. É uma maneira muito simpática de desarmar quem vê inimigos por todos os lados.
A gentileza não afeta somente quem a pratica. Cria círculos concêntricos que, paulatinamente, vão ampliando a consciência do bem viver e do bem agir.