Tenho grande simpatia por todos os movimentos que denotam o fato de estarmos saindo do nosso eixo. Do que constitui a cartilha do bem-viver. Penso em especial no slow food, mostrando a nossa perda de ritmo natural no ato de comer, apressando o que, pela própria natureza, requer um fluxo diferente. Devagar, nos avisam, e essa é uma evidência de que em algum momento traímos a nossa condição de seres que sabem fazer escolhas sensatas, baseadas no andamento que a biologia nos impõe. Nenhum outro animal, além do homem, tem a necessidade de guias que os reconduza ao que deveria estar impresso no código de sobrevivência. Como dizia, é louvável recordar de nossa precariedade, mas confesso saudade por uma época em que não se faziam necessários tantos manuais de instrução. Não, pelo menos, os que se dedicam a mostrar o que cada um deveria saber por si próprio. Como alimentar-se, andar, respirar.
As laranjeiras sempre florescem em setembro. Da mesma maneira, esquilos sabem quando as nozes estão prontas para serem apreciadas. Tendo isso em mente, aprendo a escutar cada vez mais o meu corpo. Ele emite sinais constantes, não só quando alguma coisa está errada, mas também quando ajo da forma como deve ser. É instintivo e assimilamos bem antes de nossos primeiros anos de formação. A febre é o sinal mais claro de que algo não está bem. Até aí costumamos nos portar com relativa responsabilidade: médico e obediência ao que ele preconiza. Mas se as coisas são mais sutis, é clara a nossa falta de jeito em consertar o que está falhando. Uma das minhas máximas preferidas continua sendo esta: um pouco de tudo. Vale para comida, caminhada, sexo, festas, livros, filmes, meditação. Se saturamos algo - e esses dias parecem nos induzir constantemente a extremos - uma luz vermelha acende. Nós é que não somos capazes de vê-la.
Observo e me contento em fazer essas leituras do que deveria ser automático. Tenho me sentido bem em não praticar excessos e também em não me privar do que me dá prazer. Reconheço a dificuldade em viver numa camisa de força, excluindo isso e aquilo porque as novas pesquisas dizem que faz mal. Confio mais, muito mais, nas vísceras. Concluo que o bom filósofo é aquele que menos abstrai, entregando-se a uma compreensão do que é orgânico, físico. Em última análise, do que ocorre em nossas veias ou ao redor. Se somos algoritmos bioquímicos, é fato que qualquer desequilíbrio proporciona dor, desconforto e morte. Algumas peças podem ser repostas, outras não. Cuidado, é leviano terceirizar o que deve permanecer sob o nosso comando.
Já fiz muitas escolhas erradas. Aprendi com algumas e para outras permaneci cego. Que os deuses me concedam tempo e lucidez para ser o mentor dos meus atos. Continuo acreditando em mim. Não em demasia, no entanto. Ainda parece ser uma boa regra de conduta obedecer à própria razão. Ela caminha próxima da verdade.