O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad tem feito malabarismos na corda bamba. Com a mão esquerda equilibra os pratos cada vez mais cheios de gastos do governo Federal. Com a direita, os espetos afiados do setor produtivo. Abaixo dele, lideranças partidárias lhe sacodem o fio de sustentação com críticas recorrentes e vorazes.
Foi assim em 2023, quando contrariando expectativas conseguiu arrecadar R$ 2,31 trilhões – a segunda maior marca da história – atrás apenas de 2022, momento em que a cifra bateu em R$ 2,36 trilhões. No entanto, a manutenção dos níveis é insuficiente para garantir que a âncora fiscal, criada por ele próprio, pare em pé. É preciso fazer mais pelo arcabouço que, pelo menos em teoria, só permite gastos maiores quando a arrecadação atingir determinados patamares.
Haddad sabe disso e começou 2024 aprofundando a caçada ao tesouro iniciada no ano passado. E logo em janeiro, houve uma demonstração de “sorte”, para alguns, “sucesso”, para outros. É que o primeiro mês do ano veio acompanhado de um recorde de receitas. Foram R$ 280,6 bilhões, com alta nominal de 11,48%. Trata-se do maior volume para janeiro em 24 anos. E por quê?
Entre as justificativas detalhadas pela Receita Federal estão R$ 6,1 bilhões em "arrecadações atípicas". São exatamente aquelas decorrentes de eventos únicos ou alterações legislativas. Desse total, R$ 4 bilhões vieram do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Outros R$ 4,1 bilhões em Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre rendimentos de capital. Ou seja, algo relacionados à tributação de fundos exclusivos. Em todos esses casos, foram alterações obtidas, não sem muito esforço, pela Fazenda junto ao Congresso.
Haddad não tem tempo para celebrar. No próximo dia 22 está prevista a revisão dos resultados do Arcabouço e sua missão é impedir o total ou mitigar o máximo possível de um tão inevitável, quanto indesejado por Lula, contingenciamento de gastos do governo. Duas derrotas em menos de 10 dias, envolvendo quedas de braço com lideranças empresariais, além de fechar a torneira de novas fontes de receita que pingariam nos cofres a partir de abril deixam arestas junto ao setor produtivo.
A tentativa de reonerar a folha de pagamento daqueles que são considerados os 17 setores mais intensivos em contratação e a retirada de benefícios ao segmento de eventos, previstas pelo Perse, deverão ficar pelo caminho ou para mais tarde, mas teriam potencial para turbinar, sobretudo, os resultados da CSLL. Se ambas estão, agora, em suspensão, a alternativa para superá-las permanece idêntica. Passa pela revisão dos incentivos, renúncias ou subsídios fiscais, chame-os como achar melhor.
Fato é que, conforme lembra o economista e professor da UFRGS, Marcelo Portugal, está lá, descrito na peça orçamentária: 4% do Produto Interno Bruto (PIB), que foi R$ 10,9 trilhões em 2023, é destinado para custear esses regimes tributários diferenciados. Mais de 4,6 mil vigentes no país, hoje em dia
Significa que voltar a arrecadar ao menos 5% do que foi concedido em desonerações setoriais elevaria em cerca de R$ 500 bilhões as receitas federais. A continuidade da caçada ao tesouro depende disso. No papel, parece fácil, mas por trás de cada uma dessas medidas existem setores estruturados, geradores de empregos, divisas e com amplo poder de persuasão junto ao Congresso, alerta Portugal.
É o que leva a crer que para os próximos meses, além do habitual malabarismo, Haddad também deva sofrer arranhões, alguns com a profundidade de cicatrizes, junto ao setor produtivo. “O arcabouço depende do Congresso”, disparou o ministro que sabe: os gastos do governo vão, sim, aumentar e muito. Caberá tão somente a ele e sua equipe encontrar maneiras para cobri-los com alguma responsabilidade fiscal, ainda que mínima.