
O médico Sergio Alfieri, chefe da equipe que cuidou do Papa no Hospital Gemelli, em Roma, durante as mais de cinco semanas em que esteve hospitalizado, revelou como foram os dias e os minutos que antecederam a morte do Pontífice, na segunda-feira (21).
Jorge Bergloglio morreu em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) que o deixou em coma e com insuficiência cardiocirculatória irreversível.
Conforme Alfieri, o Papa parecia cansado nos últimos dias, ainda em recuperação da alta, em 23 de março, conforme O Globo.
Sábado
No sábado (19), dois dias antes de sua morte, Francisco conversou com o médico e contou a ele como havia sido sua visita a apenados. Na quinta-feira (17), como era tradição na Quinta-feira Santa, o papa foi ao presídio Regina Coeli, em Roma.
No entanto, desta vez, ele não conseguiu lavar os pés dos detentos, como costumava fazer na data.
— Este ano, não posso fazê-lo, mas sim, eu posso e quero estar perto de vocês. Rezo por vocês e por suas famílias — disse o Santo Padre aos detentos.
Segundo Alfieri, o Papa "ficou com o coração partido" por não conseguir fazer o lava pés.
O encontro reuniu cerca de 70 detentos de diferentes nacionalidades, que o receberam com aplausos e cânticos. O pontífice permaneceu cerca de 30 minutos dentro da prisão.
— Cada vez que entro nestes lugares, me pergunto: por que eles e não eu? — declarou o Papa aos jornalistas, que o questionaram através da janela de seu tradicional Fiat 500.
Domingo
No Domingo (20) de Páscoa, Francisco apareceu na sacada da Basílica de São Pedro, no Vaticano, para dar a tradicional bênção Urbi et Orbi (à cidade de Roma e ao mundo).
Após o discurso, o Papa ainda fez um passeio surpresa pela Praça de São Pedro em seu papamóvel para cumprimentar os fiéis. Ele circulou pela praça por alguns minutos e abençoou alguns bebês, escoltado por vários guarda-costas.
— Feliz Páscoa — disse aos fiéis em uma cadeira de rodas.
Entre as suas últimas palavras antes de morrer, na madrugada de segunda-feira (21), o papa Francisco externou a gratidão dele por ter visitado a Praça de São Pedro. Antes do passeio, o Pontífice hesitou devido às recentes complicações de saúde.
— O senhor acha que eu consigo? — perguntou ao seu assistente de saúde, Massimiliano Strappetti, que lhe acompanhava 24 horas por dia, conforme o Vaticano.
Cansado, Francisco descansou durante a tarde. À noite, jantou normalmente e logo recolheu-se em seu quarto. Apesar do cansaço, o Pontífice demostrou satisfação e felicidade por ter realizado o passeio e voltar a ter contato com os fiéis — algo que marcou a sua trajetória no papado.
— Obrigado por me levar de volta à Praça — disse Francisco ao enfermeiro antes de entrar em coma.
Segunda-feira
Os primeiros sinais do acidente vascular cerebral (AVC) que antecederam uma insuficiência cardíaca ocorreram por volta das 5h30min (horário de Roma), segundo a Santa Sé.
Às 5h30min (00h30 em Brasília) de segunda (21), o enfermeiro pessoal de Francisco, Massimiliano Strappetti, acionou Alfieri e informou que o Papa precisava ser levado ao hospital. No entanto, o médico avaliou que transportá-lo até a emergência seria arriscado, pois ele ainda estava em recuperação e poderia contrair uma nova infecção.
Quando Alfieri chegou ao quarto, Francisco estava com os olhos abertos, recebendo oxigênio e soro intravenoso, mas já não estava consciente.
— O Santo Padre ainda estava vivo, seus olhos estavam abertos, e ele estava recebendo oxigênio. Ele tinha uma intravenosa, mas ele não estava consciente — disse ele.
— Ele também não respondia a estímulos, mesmo os dolorosos. Naquele momento, entendi que não havia mais nada a fazer. Ele estava em coma — disse Alfieri ao jornal italiano Corriere della Sera.
O cardeal Pietro Parolin, que é cotado para ser o próximo Papa, chegou em seguida e rezou o terço junto ao corpo de Francisco. Alfieri, que se tornou cirurgião do Papa em 2021, também se despediu com “uma carícia”. Pouco antes de entrar em coma, Francisco fez “um gesto de despedida com a mão” para Strappetti, de acordo com informações divulgadas pela revista Veja.
Às 7h35min (2h35min em Brasília), o Vaticano anunciou oficialmente seu falecimento.
O médico foi enfático ao afirmar que o Sumo Pontífice não sofreu em seus momentos finais e que tudo aconteceu sem que ele percebesse.
— Ele não percebeu; deve ter tido um derrame, deve ter tido um ataque cardíaco. Posso dizer isso com certeza: o Santo Padre não sofreu — disse ele.
A causa da morte foi confirmada em comunicado divulgado pela Santa Sé. De acordo com a certidão médica, o Papa sofreu um AVC cerebral, entrou em coma e teve um colapso cardiocirculatório irreversível às 7h35min, no horário de Roma (2h35min no horário de Brasília).
Médicos cogitaram deixar papa morrer antes da alta
O Papa teve alta no dia 23 de março e retornou para sua residência no Vaticano onde, quase um mês depois, faleceu. Entretanto, a história poderia ter sido escrita de outra forma. Sergio Alfieri disse que no momento mais crítico do tratamento do pontífice, foi cogitado suspender o tratamento e deixar Francisco morrer.
— Tivemos que escolher entre parar e deixá-lo ir ou forçá-lo e tentar todos os medicamentos e terapias possíveis, correndo o risco muito alto de danificar outros órgãos. E no final nós tomamos esse caminho — disse o médico.
De acordo o médico, a pior noite foi em 28 de fevereiro, quando o papa sofreu uma crise respiratória com vômitos:
— Estávamos saindo do período mais difícil, enquanto o papa Francisco comia ele teve uma regurgitação e inalou. Foi o segundo momento realmente crítico porque nesses casos - se não forem socorridos prontamente - há risco de morte súbita, além de complicações nos pulmões, que já eram os órgãos mais comprometidos. Foi terrível, realmente achamos que não conseguiríamos.
Alfieri também explicou que o papa delegou as decisões a seu assistente médico pessoal, Massimiliano Strappetti, em quem tem total confiança.
— Strappetti nos disse: tente de tudo, não desista e ninguém desistiu — disse Alfieri.
*Produção: Camila Mendes