"Você só vive uma vez, mas se você viver certo, uma vez é o bastante." (Mae West)
As redes sociais estão repletas de histórias que revelam nosso despreparo diante de uma situação que a nossa obstinada busca pela longevidade, por razões compreensíveis, ignorou: como é difícil manejar com delicadeza e generosidade a etapa final da vida dos nossos amados.
Dois cenários representam a maioria absoluta dos casos: no primeiro, prepondera a perda progressiva da cognição, que pode ser rápida quando se manifesta antes dos 70 anos, ou mais lenta naqueles casos que se superpõem à demência senil. De qualquer maneira, a alienação progressiva, corroendo os vínculos afetivos, empresta uma inegável naturalidade à terceirização dos cuidados.
Um evidente dilema se instala nas condições intermediárias, em que o nosso queridão já não é mais o mesmo, mas os períodos de confusão mental se alternam com momentos de surpreendente interação. Nesta fase, a atitude dos familiares é posta à prova quanto à resiliência e reciprocidade de afeto.
Na fase terminal da doença, em que família e paciente não mais se reconhecem, só sobram lembranças carinhosas, dolorosamente unilaterais. Mas ainda assim encontrei filhos que não aceitaram delegar o cuidado a ninguém, porque estavam convencidos de que a paciência necessária nessa missão é fruto de um afeto que não se pode comprar.
Das muitas histórias que encontrei, me encantou a de Carlos Edu Bernardes, que não conheço pessoalmente, mas fez uma postagem que me comove cada vez que a releio: "Meu pai tem Alzheimer, e todos os dias me pergunta: que dia é hoje? Eu digo sempre que é Dia dos Pais, e lhe tasco mais um abraço!". Cara de sorte, pois teve um pai maravilhoso e ainda soube aproveitar a ventura de retribuir no final da vida dele.
Recentemente, circulou na internet um diálogo afetuoso entre um homem velho e uma moça com gravidez avançada, sentada próxima dele, no metrô. A curiosidade dele era a expressão da mais pura solidariedade: "Falta muito?". E ela, com a voz embargada: "Três meses". Então ele, com a alegria genuína de quem supõe que está ajudando, disse: "Fique tranquila, vai dar tudo certo!". "Eu sei, estou tranquila, obrigada!". Instantes depois, ela toca-lhe no braço e pede: "Pai, levante, é aqui que nós descemos".
No segundo cenário, numa condição mais fisiológica em que o paciente idoso conserva intacta a consciência da proximidade do fim, mais insubstituível é a presença da família.
A confissão que se segue seria muito improvável com um cuidador ocasional: "Meu pai, no final da vida, confessou-me entre um cochilo e outro que sente estar morrendo um pouco a cada dia. Depois de mais uma soneca, e percebendo que eu ainda continuava massageando suas costas muito magras, me disse que tinha aprendido uma coisa importante nos últimos meses: 'É possível, sim, uma pessoa normal, querer morrer!'. Não soube o que dizer e aproveitei que ele estava de costas para chorar em silêncio".
A proximidade da família é valorizada como em nenhuma situação quando todas as conversas passam a ter a solenidade de uma despedida e as memórias são resgatadas com a força de quem percebe que, por falta de oportunidade, aquelas revelações não mais serão repetidas.
O Leonardo, que cuidou da mãe até o fim, tomou fôlego duas vezes para me contar do último desejo dela: "Que tenhas, com teus filhos, a sorte que tive com o meu".