
"O propósito da IA não é criar uma mente, mas estender a capacidade cognitiva do homem" (Edsger Dijkstra)
Quem se debruçar sobre os avanços da inteligência artificial na última década vai concluir, com folga, que ela realmente se tornou assustadora. No entanto, isso pode não ser de todo mau, obrigando-nos a responder a uma pergunta elementar: assustadora para quem?
A capacidade de dar transparência instantânea a milhões de dados de sistemas arcaicos que estiveram "protegidos" durante décadas pela dificuldade de acesso é auspiciosa para a depuração de mecanismos que podem desnudar esquemas de corrupção.
Se a propalada transparência, um jargão constante nos discursos populistas, puder ser exposta em segundos quando a inteligência artificial vasculhar os meandros labirínticos de um sistema que se apoia numa burocracia marcada pela morosidade e ineficiência, e eivado de conflitos de interesse, compreender-se-á a razão do pânico entre os pretensamente envolvidos.
E convenhamos, o desenvolvimento do ChatGPT, que ultrapassou a fronteira de um simples banco de dados e se transformou numa plataforma que passou pelo aprendizado da máquina, tornando-se capaz de emitir opiniões e sugerir condutas baseadas em dados que não foram colocadas lá pelo ser humano, tornou seu poder terrificante para quem tenha dificuldade de explicar o que fez.
Queiramos ou não, os nossos consultórios daqui para o futuro terão três elementos: um sofredor, um banco de dados imbatível e um especialista em sentimentos humanos
Quando nos damos conta de que essas transformações estão ocorrendo numa velocidade sem precedentes na conquista do conhecimento humano, mais urge que não fiquemos embasbacados na estação vendo esse trem passar.
Na literatura médica, segundo o PubMed, mais de 53 mil trabalhos sobre o assunto foram publicados somente no último ano, com relatos fantásticos como, por exemplo, um trabalho chinês em que apenas uma foto do rosto de 60 mil pacientes candidatos a cateterismo coronariano, com apreciação de alterações de pele (xantelasmas), implantação dos cabelos e formato do rosto, conseguiu identificar aqueles pacientes que tinham mais probabilidade de serem portadores de cardiopatia, com uma precisão superior ao exame clínico convencional.
A afirmação de que a máquina afastará ainda mais o médico do seu paciente ignora que um eventual distanciamento dependerá da atitude do médico que, tacanhamente, não entender que o robô é um parceiro preciosíssimo, mas não mais do que isso. E por uma simples razão: o robô não tem sentimentos, e a medicina de verdade, na sua essência, se alimenta de compaixão.
Queiramos ou não, os nossos consultórios daqui para o futuro terão três elementos: um sofredor, um banco de dados imbatível e um especialista em sentimentos humanos.
Como não há dúvida de que a nossa presumível capacidade de interpretar sentimentos é o que nos manterá inalcançáveis pelo robô, parece razoável que estejam temerosos do porvir apenas os médicos que ainda não descobriram que o afeto é a grande arma para conviver, harmoniosamente, com a inteligência artificial.
Podendo dividir com o robô a tarefa de manejar da doença, teremos mais tempo para cuidar do ser humano que adoeceu, com o carinho que nenhuma máquina conseguirá oferecer.