É sintomático que entre tantos ministérios criados este ano, alguns deles sem verba ou sem sentido prático para a população, não se veja um Ministério do Contribuinte – o pilar de todo o aparato de Estado.
O nome da nova pasta seria ruim, reconheço. Chamar o cidadão de “contribuinte”, como se o pagamento de impostos fosse um ato voluntário, é um eufemismo. Aliás, “imposto” tem este nome porque é uma imposição que o Estado faz, e ponto final. Não interessa se você leu sobre excessos, luxos e esbanjamentos cometidos nos círculos mais elevados do poder: negar-se a pagar, ou a “contribuir”, não é uma possibilidade. A questão sujeita ao debate público é: quanto é razoável você pagar? E seu vizinho desempregado? E sua cunhada bem-sucedida? E a papeleira a quem você alcançou uma nota de R$ 10 para ir à padaria dar algo de comer ao filho? Qual deve ser a carga de impostos para cada um deles?
Não, jamais veremos, nem mesmo na mais paquidérmica estrutura de primeiro escalão, um Ministério do Contribuinte. Porque, como assinalou Eugênio Gudin, artífice dos cursos de economia no Brasil, tão banal quanto um gato miar, ou um cão latir, é um governo tributar. É da sua natureza. Já cidadão financiador da máquina pública não tem, nem nunca terá, um ministro que o represente e seja capaz de interpelar um colega da Fazenda ou de qualquer outra pasta para dizer algo como “e o contribuinte, como fica?”.
Há décadas, defende-se no Brasil uma reforma tributária a partir de um mísero consenso: que a carga de impostos é alta demais e complexa o bastante para tornar todo cidadão e todo empresário de boa fé um potencial infrator da legislação fiscal – ainda mais no país em que até o passado é incerto, como demonstrou recente decisão da Suprema Corte anulando decisão judicial sobre matéria tributária que havia transitado em julgado. Mas, no final, nenhuma transformação real acontece, porque União, Estados, municípios, setores da indústria, do comércio, dos serviços, estamentos da burocracia, ramos do direito e todos os demais pacientes ou mesmo sócios do que Paulo Rabello de Castro chamou de “manicômio tributário” engalfinham-se na defesa de suas posições, travando qualquer correção significativa na ordem, ou desordem, tributária.
A meu ver, tal mudança só virá com a transformação efetiva do perfil do sistema que é profundamente injusto porque se baseia em impostos indiretos, como são chamados aqueles que que você paga no supermercado e nem se dá conta, pois estão embutidos no preço final do produto adquirido. Incidem sobre o consumo, não sobre a renda, como deveria ser. Desse modo, pobre e rico pagam o mesmo imposto na compra de um quilo de arroz, por exemplo. Essa brutal distorção faz com que, proporcionalmente, quem tem menos pague mais ao Fisco. É a chamada “regressividade” do sistema, algo que não superaremos com a complexa “reforma tributária” que o governo mandou ao Congresso e que o presidente da Câmara dos Deputados quer votar em regime de urgência.
Não se iluda com o Imposto de Valor Agregado (IVA), nem com o “cash back” e outras alegorias que me fazem pensar no dito memorável de Pedro Paulo Záchia sobre seu Inter nos anos 1990.
Vamos mudar não mudando.