
Estava a postos para abordar aqui a escandalosa decisão do governo petista de sonegar os dados sobre o baixíssimo estágio de alfabetização dos brasileirinhos da segunda série. Mas eis que me vi impelido a mudar de rota por uma das mais abjetas demonstrações de petulância e insensibilidade — um míssil que viajou 17 mil quilômetros para alvejar milhões de mulheres brasileiras e seus bem-criados filhos. Foi disparado no Vietnã pelo presidente da República. Incomodado com as recorrentes críticas de que sua mulher usa de subterfúgios para fazer turismo, e que esbanja o dinheiro dos pagadores de impostos, Lula perpetrou uma afirmação típica de ególatras que gostam de se referir a si mesmos na terceira pessoa. “A mulher do presidente Lula não nasceu para ser dona de casa.” Ao escutar esta diatribe, pensei em minha mãe e em minha avó, e em todas as Irenes e Rosas deste Brasil profundo, donas e damas de casa que sabem conduzir suas crianças, mesmo que “sob vara”, no caminho da decência.
O que terá acontecido com Luiz Inácio, o menino pobre de Garanhuns? Já não reconheço nele, nem no partido que fundou, qualquer resquício de entendimento sobre quem são e como vivem os humildes deste país. O poder embriaga tanto assim? Saudado como líder popular que emanciparia os pobres e mudaria, pacificamente, a face econômica e social do Brasil, nada fez de transformador em quase duas décadas de exercício do poder. Está recluso em gabinetes, não sai às ruas. Deslumbra-se com prazeres fúteis e cultiva bajulações que lhe chegam, pressurosamente, por uma legião de áulicos — nome perfumado para aquilo que as donas-de-casa diretas e retas deste país conhecem por puxa-sacos. Contemplo, com melancolia, esta caricatura de líder a quem um dia entreguei meu voto imaginando estar fazendo o melhor por nosso futuro.
Hoje, faixa no peito, Lula faz pregação contra a libertação de presos políticos do regime a que serve — com o agravante de que nem políticos de fato são. É gente do povo, o povo do qual o pequeno Luís foi progressivamente se distanciando, ébrio deste néctar que lhe prepararam com notas de insinceridade, megalomania e um tanto de hipocrisia. O resultado, Lula pode ver nas fotos do acanhado ato contra a anistia realizado no domingo em São Paulo. E também no poema de Drummond:
"E agora, José?
A festa acabou.
A luz apagou.
O povo sumiu.”