Foi dentro de uma van adaptada que o veterinário Alexandre Pezzi, 59 anos, encontrou uma forma de seguir em frente. Após perder o ambulatório e a petshop que manteve por cerca de duas décadas no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre, em razão da enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio, ele se reinventou. Há três dias, a rotina de consultas e procedimentos veterinários passou a ser realizada no interior de uma van Ford Transit 2011, transformada em clínica móvel.
— Acho que a gente não pode desistir dos sonhos, das coisas que a gente ama. Perdi tudo na enchente, o negócio que lutei por décadas. Não é fácil, mas é uma nova fase. Voltamos, mas de forma diferente — afirma o empresário.
O prédio que foi substituído pela van ficou 1m80cm abaixo d'água em maio, quando o Rio Grande do Sul enfrentou a pior enchente já registrada.
As perdas causadas pela água barrenta incluíram ração e equipamentos veterinários. Todo o estoque de medicamentos comprado para o ano teve de ser descartado.
— Perdi toda a minha biblioteca veterinária. Tinha mais de cem livros, que eu colecionava desde a faculdade. Me formei em 1989. Eu tinha um livro de homeopatia, a primeira edição dele, de 1925 — lamenta Pezzi, que elenca essa como uma das piores perdas causadas pela inundação.
Ao passo que limpava o prédio e contabilizava as perdas, Pezzi e a esposa compreenderam que não seria possível manter o negócio no formato original. Sem caixa financeiro para reestruturar a clínica e com prejuízos de ao menos R$ 200 mil, era preciso encontrar uma alternativa para manter o sustento da família.
— A gente começou a fazer atendimentos a domicílio. Com carro próprio ou moto. Aí surgiu a ideia de ter uma van, um furgão, uma kombi, um veículo maior que pudesse ser mais equipado para isso — explica Jaqueline Pezzi, 58 anos, esposa do veterinário.
O anúncio da venda de uma van surgiu como uma esperança. Segundo o casal, comprar e adequar o veículo para atendimentos veterinários custou quase metade do valor que seria necessário para restaurar, reativar e reequipar o imóvel onde funcionava a clínica e petshop.
O veículo, que passou por consertos e adesivagem, foi entregue na última quarta-feira (2). Desde lá, 16 animais já foram atendidos no ambulatório móvel.
Os pacientes
Em frente à antiga clínica, que ainda exibe as marcas de barro da enchente, o furgão estava estacionado na manhã desta sexta-feira (4). Ao longo de quase duas horas, ao menos cinco tutores apareceram para se informar sobre as mudanças no negócio.
Um dos pacientes, o cachorro Paçoca, aproveitou a visita para completar o esquema vacinal e se imunizar contra o parasita giárdia. O cão de quatro anos, porte pequeno e pelagem caramelo frequenta a clínica de Pezzi desde o nascimento. A van foi avaliada positivamente pelo tutor do pet, Milton Sardi, 62 anos.
— Nota 10. Tu não precisa mais ir até ele, ele que vem até ti — resume.
Pouco tempo depois de Paçoca deixar o consultório móvel, o cão Roch entrou rapidamente na van, farejando todos os cantos do interior do veículo. O cachorro de quatro anos, de pelagem branca e preta, foi apresentado ao novo formato da clínica veterinária que costumeiramente frequentava antes da cheia.
Roch havia passado pelos cuidados de Pezzi após ser acometido pela doença do carrapato e quase morrer.
— O doutor salvou a vida dele. Eu tenho confiança no trabalho dele e, mesmo que tenha mudado o formato, vou continuar frequentando pela confiança — afirma Aline Magalhães, 44 anos, tutora do cachorro Roch.
As mudanças
Segundo os empreendedores e os próprios clientes, existem pontos positivos e negativos nesta nova dinâmica. A comodidade é o mais destacado.
— Hoje não estamos mais fixados no Humaitá, atuamos em toda a Região Metropolitana e na Zona Sul também. É só o cliente chamar onde precisa que vamos — contextualiza Pezzi, destacando que isso ajudou a aumentar a clientela.
Outros fatores ressaltados foram a possibilidade de tornar os horários de trabalho mais flexíveis, assim como o melhor atendimento a clientes sensíveis.
— Nós atendemos muitas pessoas que possuem pets idosos, que são sensíveis ao deslocamento e à mudança de ambiente. Isso é uma vantagem do atendimento a domicílio, porque os pets se sentem mais seguros e confortáveis — pontua Jaqueline.
Apesar dos pontos favoráveis, a diminuição do espaço da clínica tornou difícil realizar procedimentos mais elaborados, como cirurgias. A estrutura para esse tipo de atendimento demanda sala cirúrgica, algo que a van não comporta. Para contornar essa situação, o casal está encaminhando os animais em situação mais grave para clínicas de confiança. Quando o cliente faz questão do atendimento veterinário de Pezzi, eles alugam um bloco cirúrgico e realizam o procedimento.
Resgates
Mesmo vítima da enchente, Pezzi realizou ações voluntárias durante o período de cheia. Diariamente, durante 20 dias, ele trabalhou nos barracões de samba do Complexo Cultural do Porto Seco, cuidando de mais de cem cachorros resgatados.
— Lembrei dos meus animais que estavam na clínica quando a água começou a subir. Tinha gatos e cachorros. Os cachorros foram retirados pelos vizinhos. Os gatos só conseguimos retirar dias depois, quando acessamos o local de caiaque. Foi uma agonia muito grande. Queríamos fazer o possível para ajudar os animais que também tinham passado por situações parecidas — afirma o veterinário.
Conheça a clínica móvel
- É possível conhecer a clínica veterinária móvel e agendar atendimentos pelo WhatsApp (51) 98296-0300.
- Atualizações sobre o ambulatório são compartilhadas costumeiramente pelo Instagram @tododoivet.