Mulheres têm uma grande vantagem se comparadas a nós, homens: elas verbalizam seus sentimentos. Parece óbvio, por ter sido dito repetidas vezes; contudo, a realidade pouco mudou ao longo dos tempos. Inclusive nestes dias de consideráveis avanços comportamentais, que promovem a revisão do modo de nos relacionarmos com o outro. Há uma trava emocional impedindo de partilhar traumas e alegrias. Os que se propõem a fazer terapia ainda têm uma boa chance de encontrar a chave desse cadeado, onde estão bem guardadas as emoções. A educação social, empenhada em reprimir qualquer manifestação de carinho ou o derramamento amoroso, contribui para a manutenção deste estado de coisas. Além disso, existem no imaginário coletivo várias interdições, explícitas ou veladas, atuando como freios potentes se a expressão interior ameaça vir à tona. Recalcar é preciso, pensa-se. Mas isso traz consequências bastantes graves, muitas vezes até no campo da saúde física. Aliás, é difícil separar o que pertence ao corpo ou à psique. Nós classificamos tudo em categorias para facilitar a vida. Porém, sabemos do erro de se colocar em gavetas o que se esparrama dentro de nós.
Dou-me como exemplo. Passei por consideráveis crises e só na maturidade consegui dar vazão, valendo-me da palavra, a esse conjunto de sensações pertencentes ao universo subjetivo. Pensamos, com uma boa dose de engano, que esconder equivale a proteger-se. É o oposto: só nos tornamos livres na medida da expansão do risco, afastando o desejo de blindar a alma. Tenho amigos bem resolvidos em inúmeras áreas, não só as mais práticas, mas no gerenciamento de situações de conflito. Agora, chegando a hora deles falarem de si, aí muda o cenário. Trocam de assunto, disfarçam, deixam para depois. E, atente, estamos no ano da graça de 2023! Imagine como se dava em séculos anteriores, com uma repressão violenta, pois o contrário significaria pôr em dúvida a masculinidade. Muitas doenças têm a sua origem nesta impossibilidade de explorar aspectos sensíveis, ocultando certas fragilidades.
Pequenos passos estão sendo dados. E aqui devo fazer um elogio ao modo como usamos as redes sociais. Lá vamos descobrindo como é bom a quebra de determinados paradigmas, responsáveis pelo sustento do que parecia cristalizado pelo senso comum. E é através de um processo de espelhamento (se ele faz, eu também posso) que, paulatinamente, vai se instaurando um novo modus operandi.
Hoje me derramo à larga, sem me preocupar com a opinião alheia. Pois, no fundo, esse é exatamente o medo maior: o que irão pensar de nós. As relações tendem a melhorar se afrouxarmos a camisa de força usada quando o foco recai sobre a intimidade. Imagine a solidão de quem se encarcera em si mesmo, acreditando ser uma fortaleza se agir assim. O sofrimento será o ingrediente final desta receita prescrita desde sempre, mas sem eficácia alguma para a cura das nossas dores.