A palavra é o encontro com o outro. Quem seria eu, quem seria tu sem poder dizer quem somos, de onde falamos, do que nos atravessa? É na palavra que cabemos dentro do outro. É nela que o outro nos aceita dentro de si. Talvez não exista nenhuma outra forma de amar a não ser por aquilo que é dito. Digo-te. Todos os dias. Talvez o amor seja isso. Amar o dizer daquele que diz.
As palavras entrelaçam pessoas, unem corpos e ouvidos, olhos atentos à escrita. A palavra é a mão que acaricia, pede ajuda, chama, que avisa onde está. E o não dito? O que fazer quando o que se sente não tem palavra que dê conta. Quando nada que se diga abarca o tamanho da angústia que atravessa o peito e invade o corpo. Uma dor. Uma sombra imensa que esconde o sol.
Foi assim que escrevi o meu mais recente livro A longa chuva, durante o mês de maio e que tem sessão de autógrafos no próximo sábado, dia 14. Tentando dar conta daquilo que não cabia em palavras. Entre as chuvas que soterraram vidas, inundaram cidades, causando a maior enchente do nosso Estado, me apaziguei na escrita. As águas de fora remexeram as águas de dentro.
Entre a chuva constante que misturava o dia à noite, a volta das lembranças, a morte de meu pai, minha infância solitária na casa da colônia, o silêncio de uma vida longe de tudo são pedaços de mim que subiram à tona com a fúria das águas. Uma escrita de quem vive um tanto lá e um tanto cá. Escrever me ajudou a não naufragar nas incompreensões. A escrita nos ensina a tocar em nós mesmos, é ela quem nos dá a percepção do que existe em nós.
Depois, o tempo abriu. Um mês depois, fez sol pela primeira vez. E eu escrevi um livro em 31 dias. Um mês de registros constantes sobre o que acontecia fora e dentro. Não, não foi uma escrita rápida, como se pode supor. Foi uma escrita lenta como os dias de maio. Escrever é germinar e só começamos a germinação quando nos entregamos. Quando aceitamos que estamos no chão. Quando percebemos que a vida nos derrubou. Então é preciso entregar-se ao chão, aceitar que caímos. Para germinar é preciso deixar morrer partes nossas para que o novo renasça. É preciso aprender a usar a força do chão para crescer outra vez.
A longa chuva está chegando pela editora Libertinagem de São Paulo, mas como dizia Clarice Lispector, este texto que entrego a meus leitores não pode ser visto de muito perto, porque ganha tamanho na distância, como se pudéssemos alçar um voo para vê-lo de cima. Porque é de cima que os rios assustam. De cima podemos ter a certeza do nosso tamanho, minúsculo diante da natureza. De cima vemos os braços que se agitam pedindo socorro, vemos o desaparecimento das histórias e a tristeza do que nos ocorreu em maio. Entenda-me, escrevo-te numa convulsão de dor, medo e desejo. E nasce mais um livro, só que agora, não tem história alguma, apenas palavras.
O lançamento será no Zarabatana Café, no Centro de Cultura Ordovás, seguido de debate, e é aberto a quem quiser vir celebrar a vida.