Esse março meio amarelado, denunciando um outono que se prepara para chegar, faz às vezes de verão insistente. Assim como a tentativa de continuar amando o que acabou. Daquelas amores que já nascem com a data do fim certo, mas parte nossa insiste em insistir. Ignoramos a previsão da duração. E as manhãs de março deflagram o desatino. Não há mais o que esperar. Acabou.
A gente sabe que acabou quando a conversa fica truncada, quando a companhia se dispersa, quando os ditongos abrem espaço para os hiatos. Demoramos para aceitar, porque parte nossa silencia diante do outro e o outro silencia diante de nós. Vira uma conversa repleta de pontilhados vazios e já não se quer mais preencher nada.
Março corre como se estivesse numa maratona, entre cansaços e suores, o desejo da chegada. Às vezes o amor tem gosto de coisa perdida. Mas como tudo que fazemos, não queremos desistir daquilo que um dia nos fez sentir tão vivos. É como se o tempo não desistisse de nós. Não queremos deixar passar, não queremos ir embora e nem deixar ir. Uma luta interna se trava, uma certa resistência. Uma insistência. E a lembrança dos primeiros momentos nos atravessa por cima dos edifícios.
O vento empurra os dias e a ferida se arrasta. As nuvens tomam conta do céu e desaparecem. Pessoas cruzam as ruas e nos horários de pico, é uma sangria, uma hemorragia de gente. E enquanto o verão insiste em permanecer, o amor agoniza nos primeiros sinais de outono. As folhas se perdem ao cair da tarde. As vozes na varanda ficam intercaladas. O riso se fecha. No canto da garagem o guarda-sol é esquecido.
De repente não sabemos mais para onde o amor foi. Não conseguimos chamar de volta, nem perguntar o que pretende fazer ou se é possível tentar outra vez. Tudo o que sabemos é que ninguém foge da vida. E não adianta enlouquecer com as perdas. Toda claridade mostra seu fundo escuro. E a vida muda tudo outra vez. Às vezes um filete de água não chegará a ser rio.
Mas o sol quente ainda aquece a pele. O manjericão enorme e cheiroso no vaso na saída da porta inunda o dia. O miado do bichano ao redor dos pés resgata o sorriso. O bailar do vento morno secando as roupas penduradas no varal lembram que a vida continua. Contrariando a previsão do tempo: hoje fará um dia bom. Refutando a previsão dos astros: Plutão não é mais planeta.
As frutas dentro da cesta anunciam o amanhecer perfumado. Os sapatos cantam o futuro: ter por onde andar ainda é um milagre. Uma música ao longe anuncia vida por perto. Um sorriso atravessa o rosto, lembrar é a vida depois do acontecido: aquilo que volta e meia volta e dá meia volta no dia e fica. Um pedaço de doce guardado para depois e a certeza de que a doçura perdura se cuidarmos dela. Um alô distraído e preciso faz brotar flores no umbigo: alegria, dizem. E tudo começa outra vez.