Tudo bem, fiquei sabendo que a tamareira leva entre 70 e 100 anos para dar frutos, plantei mesmo assim. Há tempos ando às voltas com vontades de vida futura, num exercício de imaginar o mundo quando eu não estiver mais aqui. Sementes e pedras são coisas que carrego comigo desde criança. Os bolsos sempre têm uma das duas, senão as duas. As sementes semeio, as pedras guardo. As sementes espalho, planto, replanto e todo o ano sempre há mais e mais, tanto que passei a distribuir entre os amigos e pacientes. As pedras são guardadas em potes de vidro. Carrego elas comigo e gosto de tempos em tempos de tocá-las. Se me perguntarem o porquê, não sei responder. Mas gosto de observar o tempo silencioso que o mineral carrega dentro de si. Eu não sou pedra, nem você e nem tampouco somos sementes, pois não ficaremos muito por aqui. Talvez meu gosto por elas seja um desejo de eternidade.
Olhar para nossa finitude é como observar uma poça de água depois da chuva, vemos o reflexo da pessoa que viemos a ser. Por baixo das imagens superficiais que insistimos em mostrar aos outros, numa fina película que recobre a água, existe uma maré de coisas estranhas que nos atravessam. A chuva já foi mar. E ali, refletida nossa história, nossos medos, comportamentos, as lembranças e o tempo. Numa poça minúscula e despretensiosa, a certeza de que a água será evaporada e se tornará nuvem outra vez.
Separei umas 20 sementes de tâmara e descobri que antes de plantá-las precisava escaldá-las. Depois do processo feito, olhei para o jardim procurando um lugar ideal, uma vez que o daqui de casa é uma efervescência de muitas plantas. Não queria perder de vista quando alguma delas rompesse a terra e se mostrasse viva. Plantei junto do vaso do manjericão, bem na saída da porta da cozinha. Madaleno, nome da erva que demos carinhosamente, faria um bom acolhimento para as sementes, que se diziam importadas, portanto vindas de longe. Estrangeiras entre as de casa. Como nós no mundo. Aristóteles, lá em Política diz que uma cidade é construída por diferentes tipos de pessoas, porque os iguais não podem fazê-la existir.
Não fomos ensinados a morrer, mas vivemos numa sociedade que se mata o tempo todo, e por coisas ridículas. Estamos nos embrutecendo. As inúmeras experiências de violência que presenciamos nos insensibilizam diante da verdadeira dor. E a questão não é saber ou não da existência delas, mas qual a causa. Estamos dispersos, querendo sempre nos sentir bem, ter a razão a qualquer custo, chegar antes, ser o mais esperto, o mais rico, a mais magra e sem nos darmos conta, saltamos em direção ao vazio do abismo.
Depois de uns dias, seis sementes de tâmara brotaram. Eis o milagre do futuro dentro do vaso do manjericão. Enquanto eu viver, elas viverão. E quando eu não estiver mais aqui, elas continuarão a estar e muito provavelmente, se o mundo existir até o futuro chegar, alguém, que não faço a mínima ideia de quem será, poderá comer os seus frutos. É claro que nunca saberá que fui eu quem plantou a tamareira, mas em seus frutos, meu sonho de eternidade.