Se a memória é a ruga do tempo, nosso corpo é a marca da passagem dele. Mas envelhecer é visto em nossa sociedade como um castigo. Se para os homens é complicado, para as mulheres muito mais. Há uma exigência famigerada de se manter a juventude a qualquer custo, mas por quê? Por que precisamos parecer jovens? Vale lembrar, que as promessas de beleza e juventude como metas da felicidade jamais serão cumpridas. É fato.
Vivemos tempos de distorção social, de movimentos primários narcisistas e mortíferos que empobrecem nossas relações. Sejam elas com os outros, mas principalmente conosco mesmas. Nós e nossos corpos. O filme com a Demi Moore, A Substância, expõe a misoginia e o etarismo. É um filme potente que revela uma verdade incômoda: não há saída para nós mulheres. Pelo menos não sem o rompimento dos padrões a que somos submetidas. Padrões que nós mesmas nos submetemos. Por isso, celebramos tanto a chegada de Fernanda Torres ao Oscar.
Reconhecemos seu talento, seu brilhantismo, sua atuação, mas sobretudo pelo corpo e pela idade que ela encarna. Um corpo sem retoques ou procedimentos, que revela espontaneidade e jovialidade, porque envelhecer não significa atrofiar nossos gestos e atitudes.
Precisamos romper com a ideia de que envelhecer torna o sujeito rígido e desleixado. Fernanda Torres é subversiva, alegre e nos apresenta um outro modo de se envelhecer.
Mas ainda buscamos a beleza e a juventude sem nos darmos conta de que isso também significa esquecimento, perda de memória de si. Um rosto jovem apaga a história como se ela nunca tivesse existido. A medicina colabora para o apagamento das marcas deixadas pela vida, registradas em nossos corpos. Sem história, sem memória, sem o registro das nossas experiências não passamos de caricaturas que se findam em si mesmas.
Ao nos submetermos a esse massacre em busca da juventude eterna perdemos nossa capacidade de elaboração simbólica, de reconhecimento de si e sua importância, substituindo vida por esquecimento, pelo apagamento do tempo, como se a vida ainda não tivesse sido vivida. Para quê? A quem interessa conviver com mulheres jovens, ingênuas e dóceis? Porque todas nós já fomos assim e sabemos que somente com o tempo nos fortalecemos e deixamos de agradar a quem quer que seja.
A luta é longa e árdua para nós mulheres que estamos envelhecendo e nos dando conta disso. O prêmio de melhor atriz foi entregue a linda e jovem Mikey Madison que na altura dos seus 25 anos vai precisar mais do que a juventude para sobreviver às pressões e expectativas que a partir de agora recaem sobre ela. E não, esta crônica jamais será um ataque às mulheres jovens.
Basta de fazer das mulheres alvo de algo. Mas compreender que o prêmio referenda o status quo e, não se trata de julgar talentos, mas de quais histórias queremos contar e reconhecer. Portanto, o prêmio se revela não pelo que ele premia, mas pelo que ele deixa de premiar.