A palavra animal desenvolveu uma trajetória dúbia ao longo dos tempos. Em vários momentos da história do pensamento ocidental, animal incluía o ser humano. Mas sua carga semântica foi modificando e, no mundo moderno, ocorreu uma cisão que separa o homem do animal. Essa visão mecanicista e utilitarista tornou os animais estranhos a nós, somo se fôssemos supostamente seres superiores, afinal teríamos alma e seríamos capazes de pensar. O que é bem duvidoso. O fato é que este tipo de comportamento baseado numa cultura de onipotência gerou uma ideia de poder sobre o outro. Assim, o dono do bicho acha que pode fazer com ele o que bem entender.
No Brasil, só no ano passado, mais de 185 mil animais foram resgatados de maus tratos, sendo que 75% foram abandonados em áreas urbanas, 45% era de ninhada de filhotes e 40% eram de animais idosos ou com alguma doença. Para quem trabalha diretamente em ONGs de proteção e resgate o cotidiano é marcado por ignorância, dor, abuso, tortura aos animais e morte. Já o RS, no ano passado, teve um aumento de 20% de maus tratos aos animais.
Mas este é um assunto menor. Percebemos isso, porque os números são escassos e a ignorância com relação ao assunto mobiliza ideias errôneas. Pessoas que nunca se voluntariaram para nada criticam o movimento.
Maltratar animais em nosso país é crime, mas isso jamais impediu que a crueldade deixasse de acontecer. Basta acessar os sites de notícias e lá nos deparamos com as inúmeras aberrações que o ser humano, dito superior e mais inteligente, é capaz de cometer. Há uma teoria muito importante que estabelece uma conexão entre a violência contra os animais e a violência contra outro humano. Estudos mostram que pessoas que cometem crueldade contra os animais tem maior probabilidade de praticar crimes violentos como abuso infantil e violência doméstica. No Brasil, os dados de setembro de 2024 informam que 71% dos agressores de animais também cometeram crimes contra pessoas.
Essa supremacia antropocêntrica de sermos superiores aos animais frente aos números, ligeiramente aqui expostos, mostra um descompasso da nossa capacidade cognitiva de estabelecer uma convivência com os diferentes de nós. Além disso, estamos nos brutalizando mais e mais a cada dia. A ideia da violência, da raiva incontida, da necessidade da agressão com o intuito perverso de resolver as coisas, têm demonstrado que temos uma fina camada de civilidade. Talvez isso tudo apenas escancare o quanto somos animalescos em essência, embora não tenhamos vergonha disso. O que é uma lástima, pois a vergonha é um afeto regulador fundamental da relação humana.
A ciência já cansou de demonstrar que os animais são inteligentes, sentem dor e têm uma relação social complexa. Se alguém quebrar a perna de um cachorro, ele sentirá dor. Se um anzol furar os olhos de um caranguejo, ele vai passar as garras no lugar da lesão, se um ácido acético for colocado nos olhos de um coelho para testar o produto, ele vai sofrer. Ora, ora, quando foi que nos desumanizamos assim?