Quem me conhece sabe que sou apaixonada pela cozinha e todo o seu entorno. Adoro os aromas de temperos sendo misturados, o casamento perfeito entre a beterraba e a laranja, a textura do cogumelo salteado, o molho de amendoim envolvendo a massa, a farinha de grão-de-bico nas empanadas de atum, o trigo saraceno na elegante galette, a passata de tomate com manjericão, o coentro, a páprica defumada, a batata ao murro com alecrim, o confit de tomate na torrada de pão de azeite, os vegetais cortados com a obsessividade brunnoise e todo tipo de panaché, mesmo no inverno. Os verbos gastronômicos também estão entre os meus preferidos: clarificar, selar, saltear, refogar, marinar, flambar, emulsionar. Há uma poesia que perpassa a linguística e a técnica e atinge as profundezas de nosso estômago e psiquismo. Dias atrás estava lendo um livro delicioso chamado O banquete de Psiquê e lá o autor, que é também psicanalista e apreciador da boa mesa e bom vinho, dizia que antes do sexo vem a boca, por isso, antes da cama, a mesa. Ele faz uma brincadeira deliciosa ao dizer que nossas neuroses nunca vêm sozinhas, geralmente vêm acompanhadas de achocolatados de baixa qualidade, farinhas em excesso, refrigerantes e fast food, ou seja, padecemos de má nutrição. Quando nos alimentamos estamos realizando no mínimo duas ações nutritivas: uma diz respeito ao corpo e a outra, o nosso psíquico. Por isso, as comidas de infância nos são tão caras e importantes.
Jamais esqueci aquela sopa de massa com feijão que minha nona fazia, a panela fervia sobre um fogão à lenha por horas enquanto o aroma ia tomando conta da cozinha, da sala, dos quartos até chegar à alma. Assim como nunca mais comi aquela figada feita pela mãe com os figos que cresciam atrás de nossa casa e eram disputados com os passarinhos que enchiam suas barriguinhas durante as tardes calmas do interior. Também nunca esqueci da gemada feita pelo pai, e que já falei por aqui, feita momentos antes de assistirmos algum filme da sessão da tarde ou aquele pão com açúcar que somente a tia Justina sabia fazer e matava minha fome, muito mais de gulosa. Comer é uma alegria instintiva e sim, guarda patologias, principalmente quando nossa alma é mal nutrida.
Dias atrás comi banana-verde gratinada. Nunca imaginei que a banana se prestaria a tal iguaria. Sei que os nutricionistas e os adeptos de dietas específicas são apaixonados pela banana-verde, mas daí ela combinar com queijo azul é quase surreal. Por sorte, sou casada com uma pessoa que ama tanto quanto eu o universo gastronômico e suas inúmeras possibilidades. A cozinha é um espaço de encontro, de descobertas, de poesia. Eu, assim como Isabel Allende diz num poema famoso, nasci com a boca aberta e me alimento ao alimentar os que amo com desejos de doces, memórias, alho, poesia, sonhos e vida, tudo gratinado no divã.