Babygirl, filme da diretora holandesa Halina Reijn, traz Nicole Kidman na pele da protagonista Romy, uma mulher acostumada a ocupar posições de comando no trabalho e em seu círculo familiar, mas que se interessa sexualmente pela submissão.
Tendo o sexo como fio-condutor, o longa tensiona relações de poder em diferentes esferas. Romy, que é CEO de uma grande empresa e vive um casamento sem satisfação sexual, acaba se envolvendo com Samuel (Harris Dickinson), um estagiário recém-contratado e bem mais jovem do que ela. Contudo, entre quatro paredes, é o garoto quem assume o controle.
O enredo de Babygirl vem gerando debates entre os espectadores. Por um lado, há quem exalte a disposição do filme em retratar o desejo e a liberdade sexual das mulheres com naturalidade. Por outro, também há críticas à narrativa construída pelo longa, acusado de reforçar estereótipos machistas, como o de que "toda a mulher deseja ser dominada por um homem".
A própria personagem enfrenta conflitos semelhantes no filme. Romy é uma mulher empoderada e, justamente por isso, sente-se culpada e envergonhada ao perceber o prazer que ser submissa lhe traz. Para ela, é como se o fetiche que tanto lhe satisfaz, também invalidasse sua trajetória enquanto uma mulher independente e de sucesso.
O sentimento não é exclusividade da protagonista de Babygirl. Segundo a sexóloga e ginecologista Mariana Mendes Rodrigues, é comum que mulheres se sintam "menos feministas" por conta do interesse sexual pela submissão. Contudo, conforme a profissional, não há nenhuma razão para tal.
— Precisamos entender que o fetiche é somente a parte erótica da vida das pessoas, não determina quem elas são. É completamente possível sentir prazer em ser dominada durante o sexo e, ainda assim, ser uma mulher empoderada — afirma a sexóloga.
— A gente pode questionar a frequência com que as mulheres são colocadas na posição de esperar que um homem venha dominá-las, pois há vários filmes que repetem essa fórmula. Porém, estamos falando de algo estrutural. O problema não está no fetiche — observa Mariana.
O que é o fetiche da submissão?
A sexóloga explica que o fetiche é algo que provoca grande excitação. Pode consistir em um comportamento, como é o caso da submissão e da dominação, mas também na exploração de uma determinada parte do corpo, no uso de um objeto específico ou na interpretação de papéis, por exemplo.
— Fetiche é tudo aquilo que, por alguma razão, torna-se mágico, excitante e prazeroso para a pessoa — explica.
No caso da submissão, a excitação está em obedecer aos comandos dados pelo parceiro ou parceira. A fantasia pode ser praticada de diferentes formas, conforme a Mariana:
— Muitas vezes, quando se fala em submissão, o que vem à cabeça é que a pessoa está sendo maltratada, mas não funciona somente dessa forma. Às vezes, pode ser através de um comando divertido e apimentado, de um jogo erótico, de um objeto a ser usado. Também pode incluir experiências de dor, xingamentos e coisas do gênero, mas tudo é definido pela vontade do casal.
A sexóloga diz que a premissa de qualquer relação pautada em submissão e dominação é o consenso. As práticas precisam ser acordadas previamente, a fim de garantirem o prazer de todos, sem desagradar ninguém.
— Nada que seja praticado de forma não-consensual caracteriza um fetiche — salienta.
Há limites para o fetiche?
Assim, não há terreno proibido, desde que seja respeitada a vontade de cada um. Se for consensual, tudo o que traz prazer está valendo, defende a sexóloga. O limite para o fetiche depende das partes envolvidas na relação.
A orientação para quem quer experimentar a submissão é dialogar com o parceiro ou parceira sobre o que gosta e o que não gosta, compartilhar vontades e inseguranças e deixar claro até que ponto interessa ir.
Também é imprescindível criar uma palavra de segurança, que será usada para avisar que é a hora de parar. O comando deve ser respeitado pela outra pessoa de forma imediata, sem pestanejar.
— Há quem sinta prazer em receber palmadas, por exemplo. Isso é muito diferente de uma agressão física, justamente por conta do consenso e do cuidado com os limites — explica a sexóloga.
— Agressão não traz prazer, não traz alegria, não traz satisfação e não faz parte do universo fetichista. No fetiche, a intenção é proporcionar prazer. Se uma prática se torna desconfortável e a pessoa sinaliza que quer parar, isso precisa ser respeitado — complementa.
Com consenso, cuidado e confiança entre o casal, não há problema algum em explorar este e qualquer outro fetiche, defende Mariana. A sexóloga frisa que nenhuma preferência sexual deve ser motivo de vergonha, tampouco ser tratada como tabu.
— Na cama, todo mundo pode ser o que quiser, e não há problema algum nisso.