A se confirmar a tomada de Mariupol, cidade portuária do sul da Ucrânia, esta será, até agora, a maior vitória do presidente Vladimir Putin na guerra. Os russos não conseguiram conquistar Kharkiv, Chernihiv e muito menos a joia da coroa, a capital Kiev. Mariupol é o prêmio de consolação e dá ao autocrata do Kremlin um trunfo político importante para apresentar ao público doméstico, que, ainda que muito lentamente, começa a questionar a aventura russa no país vizinho - especialmente a elite, incomodada com a demora da "operação militar especial" (o eufemismo de Putin para a guerra) e já sofrendo efeitos das sanções econômicas do Ocidente.
Junto com o sucesso do teste com o lançamento do míssil intercontinental RS-28 Sarmat, na quarta-feira (20), a queda de Mariupol dá a Putin um respiro depois de semanas na defensiva e más notícias. Primeiro, o recuo das tropas do Norte, um movimento tático para concentrar foco no Leste da Ucrânia, foi visto como capitulação pelo Ocidente diante da brava resistência em Kiev. Segundo, o naufrágio de seu navio de guerra mais poderoso no Mar Negro, o Moskva, orgulho da marinha de Putin.
O lançamento do míssil de 208 toneladas, capaz de levar provavelmente 15 ogivas nucleares, conhecido no Ocidente pelo sugestivo nome de Satã-2, foi um recado ao ocidente. De novo, Putin jogou a cartada atômica, com o teste completo do mais poderoso armamento do tipo no mundo. Até o local é simbólico: o RS-29 Sarmat foi lançado de um silo em Plesetsk, próximo à Finlândia. Não por acaso, isso tudo ocorreu na mesma semana em que o parlamento desse país iniciou o debate para a adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), movimento que, a ser confirmado, levará a nação da Escandinávia a abandonar sua histórica neutralidade.
Mas voltemos a Mariupol, a mais devastadas das cidades ucranianas em quase dois meses de guerra. A conquista só chega depois da destruição total, o que também mostra que o exército de Putin só consegue alcançar um sucesso no campo de batalha subjugando completamente o inimigo. Não há inteligência militar, nesse caso. Só força bruta.
Mariupol é importante estrategicamente para a Rússia, mais do que Kiev, porque abre uma ponte terrestre para ligar o Donbass - onde ficam as áreas separatistas de Donetsk e Luhansk - à Crimeia, península anexada em 2014. Na prática, todo esse naco de terra fica colado ao território russo. Antes da guerra, para se ir da Rússia à Crimeia, era preciso percorrer um conjunto de duas pontes paralelas de 18 quilômetros inaugurado por Putin em 2018 sobre o estreito de Kerch.
Mariupol é um importante centro de exportação de aço, carvão e milho da Ucrânia. A Rússia também neutraliza o acesso ucraniano ao Mar Negro — interrompendo seu comércio marítimo. Sua tomada estrangula o que resta da economia do país em guerra.