
As viagens internacionais para os Estados Unidos caíram desde que o presidente Donald Trump voltou ao cargo, diz uma reportagem do The Washington Post. Especialistas do setor de turismo afirmam que os motivos são óbvios: detenções e deportações, que causaram medo de experiências ruins na fronteira.
Fronteiras, aliás, são coisas que me causam medo. Já confidenciei isso a amigos: como jornalista, elas determinam o sucesso ou o fracasso de uma cobertura. Já senti isso entre El Salvador e Honduras, entre Líbano e Síria, entre Jordânia e Israel. Sinto, agora, receio em relação aos EUA.
Conheço um rapaz cujo visto de turista foi negado sem nenhuma explicação: o rapaz de quase 30 anos tem ensino superior, emprego, renda e residência fixa em Porto Alegre. Nunca pensou em ficar ilegal nos EUA. Ao contrário, sonhava visitar Nova York, voltar e contar o que viu, mas teve o documento rejeitado na entrevista, em Porto Alegre, sem razões plausíveis. Isso depois de pagar quase o equivalente a R$ 1 mil pelo documento.
Outra conhecida, que mora e estuda em Nova York há mais de 10 anos, pediu renovação do visto, mas não sabe se receberá autorização.
Há um mar de dúvidas no ar. Os critérios não são claros.
Uma pena. Durante décadas, os EUA exerceram um tipo de poder que não necessitava de tanques nem de mísseis: o poder da atração. Bastava um filme, uma música, um símbolo. Nas relações internacionais, chamamos de "soft power", um conceito formulado por Joseph Nye, que se refere à capacidade de um Estado influenciar o comportamento de outros por meio da atração e da persuasão, e não pela coerção.
Esse poder simbólico está enraizado na legitimidade dos valores políticos, na cultura e na política externa percebida como legítima e moralmente orientada. As universidades, a cultura pop, a promessa da liberdade, a democracia emoldurada pela Constituição. Os EUA eram a imagem do país que acolhia, liderava e inspirava. Mas essa imagem, quase consensual no passado, vem se liquefazendo neste segundo mandato de Trump. As decisões do presiente, suas palavras e sua postura vêm empurrando os EUA para uma posição de isolamento - o America First não é apenas slogan, mas realidade, com todas as consequências que isso carrega.
Nas fronteiras, a política migratória se tornou vitrine do fechamento. No campo econômico, o uso das tarifas como arma vira roteiro para a confrontação não apenas para com quem foi escolhido adversário geopolítico do século 21, a China, mas aliados históricos, em Tóquio, Bruxelas, Berlim e Paris.
O resultado é triste: os EUA, antes vistos como farol democrático, agora despertam desconfiança. Perder o soft power é perder a capacidade de liderar sem mandar, e influenciar sem pressionar. É perder algo que não se reconstrói com tanques nem com PIB.