"Deus não joga dados com o Universo." (Albert Einstein)
As grandes tragédias sempre foram um inesgotável manancial de estudo do comportamento humano em situações marcadas por medo, coragem, covardia, revolta e resiliência, num cenário em que o único sentimento excluído, na origem, é a indiferença.
Dois livros imperdíveis, Plano de Ataque, de Ivan Sant'Anna, e O Único Avião no Céu, de Garrett Graff, reuniram fragmentos de histórias da vida de pessoas comuns que, de alguma maneira, foram escaladas por um deus, o destino ou o que seja para estarem frajolas no lugar errado, naquela terça-feira, 11 de setembro de 2001, que amanheceu com um céu de brigadeiro — ou "o céu de 22 milhas", que é como os americanos definem visibilidade máxima para os pilotos. Por desconhecidos critérios de seleção e sem nenhum ensaio prévio, milhares de pessoas oriundas de mais de 90 países estavam involuntariamente perfiladas para participarem do maior atentado terrorista que o Ocidente já viu.
Um homem se salvou porque precisou passar a camisa que combinava com a gravata.
Se Einstein estava certo ao afirmar que Deus não joga dados com o Universo, é razoável supor que, ao menos naquele dia, Ele acordou disposto a fazer uma fezinha, só para quebrar a monotonia da vida eterna.
Se não, como explicar que fatos ou decisões absolutamente aleatórias tenham determinado que muitos morressem e outros tantos tenham ficado para contar como sobreviveram?
Das centenas de homens e mulheres que trabalhavam acima do 95º andar da Torre Sul do Word Trade Center, apenas cinco sobreviveram. Um deles, David Kravette, sentado à sua mesa, com uma visão deslumbrante da cidade, recebeu um chamado da portaria, dando conta de que um dos pretensos convidados para a reunião daquela manhã tinha se apresentado sem nenhum documento; era necessário que alguém do escritório descesse, para autorizar a entrada. Quando se dirigia à secretária para encarregá-la da função, percebeu que ainda tinha uns 20 minutos antes de iniciar a próxima reunião. Constrangido em submetê-la a esse esforço em final de gestação, decidiu ele mesmo descer. Quando chegou na portaria, ainda teve tempo de provocar: "Quem é o pateta que esqueceu a identidade em casa?". Antes da resposta, e no meio da gargalhada, o AA11 da American invadiu a Torre Norte matando centenas de pessoas, inclusive uma jovem grávida.
Jeremy Glick, morador de Boston, tinha uma viagem no meio da tarde da segunda-feira para Los Angeles. No início da noite, avisou a esposa que tinha havido um incêndio no aeroporto de Newark e que tinham transferido seu voo para as 20h, e ele, cansado que estava, desistira da ideia de chegar em Los Angeles às 2h da madrugada; estava indo para casa para dormir mais cedo. Reservara o voo UA 175 para a manhã seguinte, sem saber que este avião tinha como destino final a Torre Sul do WTC.
Naquele dia, morreram 343 bombeiros. A maioria deles seguia subindo pelas escadas em busca de sobreviventes ou de pessoas que precisassem de auxílio para chegarem ao térreo, antes que a segunda torre desabasse. John Napolitano foi um dos poucos bombeiros que tiveram a sorte de alcançar a portaria, onde assumiu a função de orientador da multidão que devia evadir-se pelas ruas laterais. Muitas pessoas, na eminência de morrerem queimadas, saltaram dos andares mais altos, explodindo no solo. Uma delas interrompeu o trabalho de John.
Joseph Lott estava hospedado no Marriott, um hotel de 22 andares que fazia parte do complexo, e recebeu uma amiga querida para tomarem café da manhã, juntos. Ela lhe trouxe, como mimo, uma linda gravata, com tons de vermelho e azul. Quando ele se preparou para engravatar-se, ela protestou: "Só um pouquinho, essa gravata numa camisa verde não dá". Ele confessou que a intenção era usar uma camisa branca, mas a que trouxera estava toda amassada. Então ela insistiu: "Dá uma passada na camisa branca que vai ficar linda com esta gravata, e não esqueça que vais conhecer o novo chefe. A primeira impressão é importante". Ela se despediu com um "Até já" e caminhou rápido para a reunião. Ele demorou uns 15 minutos passando a tal camisa branca na prancha. Quando já ajustava o nó da gravata, ouviu um estrondo na Torre Norte. Ele tinha sido salvo pela camisa amassada. E a amiga, apressada em subir, tinha razão: gravata azul e vermelha só combina com camisa branca.