
Tem dias em que nó na garganta vem antes mesmo do café esfriar. E hoje é um desses dias. Porque enquanto a gente se ocupa tentando entender o que é prioridade — se é a carne, se é o remédio, se é o aluguel — o governo insiste em nos lembrar que dignidade, nestas bandas, é luxo. Luxo de quem pode não depender do INSS.
Carlos Lupi, o ainda ministro da Previdência, passou mais de cinco horas na Câmara dos Deputados tentando justificar o injustificável. Tentando explicar por que, sob sua gestão, o INSS permaneceu um território livre para lobistas, atravessadores e sanguessugas, todos se fartando às custas de aposentados que contam moeda pra comprar dipirona.
Entre os novos absurdos revelados pela Polícia Federal, um personagem se destaca: o "Careca do INSS". Nome de mafioso de filme ruim, mas com roteiro bem brasileiro. O sujeito, sócio de 21 empresas — quase todas fundadas em 2022 — movimentou sozinho 25 milhões de reais. Quase 10 milhões acabaram indo parar nas mãos de servidores do próprio INSS, nomeados tanto pela gestão Bolsonaro quanto pela gestão Lula. E a gente aqui, se perguntando como pagar o boleto do mês.
Em qualquer país minimamente sério, um escândalo dessa magnitude teria como consequência imediata a exoneração do ministro responsável pela pasta. Não por envolvimento direto, mas por decência, por moral. Mas aqui não. Aqui, Lula diz que só vai demitir Lupi se for provado que ele estava no esquema. Como se a incompetência escancarada fosse um ativo. Como se ser ministro não trouxesse junto a obrigação de proteger quem não tem mais força pra se proteger sozinho.
Mas Lupi não caiu. E não caiu por um motivo simples e escandaloso: porque o governo está refém do próprio balcão. O PDT já mandou o recado: se tirarem o ministro, sai da base. E o Planalto, em vez de reagir, abaixa a cabeça. Troca a decência pela governabilidade. Troca o aposentado pelo acordo. Troca o certo pelo conveniente.
E como se não bastasse, Lupi ainda teve o desplante de sugerir que o INSS deixe de intermediar o credenciamento de associações. A mesma estrutura que permitiu a fraude bilionária agora, segundo ele, deve ser passada adiante. A frase que ele usou beira a piada: “melhor deixar pra outro órgão cuidar dessa parte”. É a institucionalização da incompetência. A confissão de que o Estado falhou e, em vez de corrigir, prefere se livrar do problema.
Ora, se o Estado não consegue fiscalizar, não se terceiriza a responsabilidade. Se reforma. Se investiga. Se pune. Mas o que vemos é o contrário: o corrupto faz a festa, o sistema acoberta, e quem paga a conta é sempre o velhinho que deixou a porta aberta.
O Brasil virou isso: um lugar onde o bandido faz o estrago e o culpado é o aposentado. Onde se passa mais tempo discutindo se o ministro tem culpa do que protegendo quem, de fato, foi lesado. E é por isso que, por mais que tenha muita coisa acontecendo no país, hoje eu não consigo falar de outra coisa. Porque tem crimes que são cometidos no silêncio da omissão e esse é um deles.