
Nos tornamos especialistas em normalizar o inaceitável. Há muito tempo, o brasileiro vem confundindo decadência com rotina, preso num eterno ciclo de escândalos que mudam muito pouco entre si com o passar dos anos.
Trinta anos depois do impeachment, Fernando Collor de Mello finalmente foi alcançado pela Justiça. Condenado por corrupção envolvendo a BR Distribuidora, agora carrega mais um troféu macabro da política nacional: o de único ex-presidente do Brasil a ser preso por corrupção e impichado. Um título que poucos conseguem ostentar com tamanha desenvoltura.
O senador Flávio Bolsonaro, é claro, correu para criticar a prisão do mais notório dos corruptos do Brasil. Está com medo — é óbvio. Ver a Justiça funcionar, mesmo que aos trancos e barrancos, é um sinal nada animador para ele e para sua família.
Mas Collor é apenas o sintoma, não a doença.
Enquanto ele é preso, as revelações sobre o esquema bilionário no INSS escancaram o que há muito tempo se sabe: o Brasil não precisa de guerra ou catástrofe para destruir a dignidade do seu povo. Bastam cartórios, carimbos e a cumplicidade do Estado.
Enquanto aposentados viam seus benefícios serem corroídos sem explicação, entidades investigadas desviavam milhões para buffets de luxo e agências de viagem. Mais uma vez, a miséria financiando o luxo.
E o que diz o inacreditavelmente ainda ministro da Previdência, Carlos Lupi? Que "não é Deus", como se o mínimo que se esperasse dele fosse onisciência divina.
Não, ministro. Não se pede milagre. Se pede vigilância, responsabilidade, vergonha na cara, decência.
Principalmente porque os alertas não são de ontem. Há mais de um ano, denúncias chegaram diretamente ao seu gabinete. Foram ignoradas até que a Polícia Federal escancarasse o óbvio para todo o país ver.
E em meio a toda essa lama, não faltam aqueles que enxergam a crise como oportunidade.
O senador Rogério Marinho, hoje crítico ferrenho do escândalo, era secretário da Previdência entre 2019 e 2020 — período em que as fraudes já ocorriam. Mas, como sempre, a memória política é seletiva: o passado dos outros pesa mais que o próprio.
A política brasileira não vive um escândalo, ela é o escândalo
No Congresso, a história se repete. A recém-criada federação entre União Brasil e PP, já nasce respirando por aparelhos. Brigam, não por ideias ou projetos, mas pela partilha de cargos e fundos partidários. E tudo com aquela naturalidade com que se pede um cafezinho.
A política brasileira não vive um escândalo, ela é o escândalo.
Viramos um país onde se debate a cor da gravata enquanto afundamos no pântano da corrupção institucionalizada. Onde a crise moral deixou de ser notícia para virar parte da mobília da sala.
E assim seguimos, cada vez mais acostumados, cada vez mais resignados. Enquanto Brasília discute alianças e estratégias para as próximas eleições, o Brasil real continua afogado em urgências que nunca entram na pauta.
As urgências de Brasília, como sempre, nunca são as urgências do Brasil.