
Já comentei, nesta coluna, a extinção do pisca em nosso trânsito. É uma ferramenta em desuso, cuja ausência não apenas atrapalha os demais condutores com a imprevisibilidade das manobras, mas também coloca em risco os transeuntes.
O pedestre, que possui mais direitos por ser a parte mais vulnerável do tráfego, pode se lascar. É capaz de avançar jurando que o carro está se deslocando para direção contrária e ser pego no contrapé, já que não houve nenhum sinal de seta.
Não entendo como nossos motoristas não param para alguém atravessar a rua na faixa de segurança. Na tradição cortês de Brasília e Gramado, por exemplo, não importa a cor do semáforo.
Os porto-alegrenses foram educados como? Com uma lógica de abate?
Trata-se de uma questão de respeito e educação privilegiar quem anda a pé. Não custa nada, mas acontece o oposto: vendo uma pessoa vir da calçada, o motorista aumenta a velocidade para bloquear a iniciativa e intimidar a consumação dos passos.
São segundos de ansiedade letal.
O trânsito de Porto Alegre sofre de incurável egoísmo. Em São Paulo, nos congestionamentos muito piores do que os nossos, é natural dar espaço para um carro ao lado mudar de pista. Aqui, se alguém deseja alternar o seu sentido, tem que ficar mendigando atenção. Só falta gritar pela janela ou gesticular com o braço pedindo passagem. Não conseguirá uma brecha. Precisará cavoucar um ingresso, quase encostando o seu para-choque no automóvel da frente.
Não há fair play ou gentileza. Existe uma crença de que o pedinte é malandro e planeja roubar o lugar. As pessoas pisam fundo no acelerador para ninguém entrar no meio da fileira.
Não querer perder tempo ou se sentir trapaceado são males psicológicos de nossa rotina viária.
O trânsito de Porto Alegre sofre de incurável egoísmo.
Nos horários de pico, de entrada ou saída das escolas, de começo ou fim do expediente, é possível testemunhar uma procissão de veículos ronronando seus motores nas laterais ou no acostamento, esperando uma lacuna no fluxo e suplicando para ser vistos e atendidos.
Nem dependem de paciência, e sim de altas doses de resignação.
Se, por ventura, uma alma bondosa permite o ingresso de um, dois, três carros, recebe imediatamente as vaias de um buzinaço e é defenestrada e tachada de tola ou burra pelos seus colegas. Parece que ela está se deixando enganar por oportunistas e aproveitadores.
Não se tem o entendimento cultural claro e tácito de que dirigir é aprender a conviver. Todos os motoristas desfrutam de igualdade de condições. Não é porque um se encontra antes na pista que ela passará a ser sua. Usucapião não vale para o exercício da habilitação.
Infelizmente predominam uma noção de guerra, um sentimento de competição, um acirramento de ânimos, uma insanidade desesperada para não se atrasar a um compromisso.
Qualquer entrada na sua frente é rebatida com violência, como se fosse um penetra pretendendo acabar com a sua festa, agredir a sua família e gastar a duração da sua vida.
Acredito que os azuizinhos deveriam assumir a função de pacificadores. Não aparecer apenas quando as sinaleiras estão desligadas ou para multar estacionamentos indevidos, mas para monitorar e garantir os bons modos dos nossos condutores.