
Hoje é primeiro de abril. E as pegadinhas já não surtem efeito. Restaurantes prediletos dizendo que vão fechar. Artistas avisando que vão abandonar suas redes sociais. Celebridades traçando metas absurdas. Eu não ri de nada, não tinha motivos para rir.
Rolava o dedo na telinha do meu celular com náusea e desconforto.
Há muito tempo, a data deixou de ser engraçada. Não porque é previsível, não porque você acorda antevendo as armadilhas, mas porque a mentira já é tão comum que não mais assusta. Há mais fake news do que fatos. Vivemos num mundo de simulacros para enriquecer facilmente e agradar ao algoritmo.
O que desconcerta é a verdade. Deveríamos criar o Dia da Verdade. Daí sim seria um escândalo. O dia do sincericídio. O dia de abrir o coração. O dia das confissões honestas. O dia da transparência digital. O dia do fair play moral.
Um dia em que você não mais defenderia sua aparência e as pequenas trapaças rotineiras. Um dia em que não mais guardaria os ressentimentos e as sabotagens. Um dia em que pais e filhos diminuiriam a sua distância, expondo efetivamente quem são e o que pensam.
Um dia em que você não procuraria o perdão, qualquer recompensa ou benefício pessoal, só procuraria ser justo. Um dia em que ninguém iria se preocupar em se proteger, e sim em não enganar a si próprio.
Um dia em que governantes terminariam com as suas promessas e apresentariam as suas falhas.
Um dia de choque democrático. Os parlamentares explicitariam quais os propósitos das suas emendas um tanto secretas, por que são tão infladas a ponto de consumir R$ 50,4 bilhões do orçamento em 2025, o equivalente à receita de 32 dos 38 ministérios do Governo Federal. Descomplicariam o rastreamento e acabariam com a fama de balcão de negócios e de instrumento costumeiro para a reeleição.
Currículos seriam refeitos, plágios seriam desmascarados, júris seriam cancelados pela declaração de inocência ou culpa dos suspeitos.
Crimes insolúveis no país, como o de Ana Lídia Braga, menina de 7 anos sequestrada e morta em Brasília em 1973, ou do menino Carlinhos, de 10 anos, sequestrado no Rio de Janeiro no mesmo ano e jamais localizado, finalmente encontrariam o seu desfecho e os seus autores.
Um dia em que não faríamos o outro sofrer pelo que ele não sabe. Não haveria mais segredos sujos, deslealdade recalcada entre amigos, infidelidades, inveja, concorrência predatória. Tudo viria à tona em cascatas de vídeos.
Um dia apenas de poses espontâneas, de palavras sem filtro, do constrangimento redentor. Com aquele facho de luz rompendo as borrascas e formando um arco-íris de franqueza e fraqueza no horizonte humano.
Daniel Alves, por exemplo, ligaria a sua câmera e contaria o que realmente aconteceu naquele banheiro na discoteca em Barcelona, na madrugada de 31 de dezembro de 2022.