Escondida por tapumes de cinco metros de altura, a tradicional Casa dos Leões, construída há 131 anos na Rua dos Andradas, no Centro Histórico, ainda aguarda por uma reforma de revitalização. O Instituto Zoravia Bettiol, da artista e educadora gaúcha, que pretende transformar o local em um espaço de arte, conseguiu aprovar o projeto arquitetônico na prefeitura em 2023, cinco anos após o município lhe conceder a permissão de uso do imóvel.
Com a autorização da prefeitura, o instituto agora busca recursos com empresas através da Lei Rouanet, do governo federal, para revitalizar a casa. As parceiras interessadas investem e, depois, abatem os custos em impostos, com contrapartidas e a exposição da marca no local. O projeto prevê que serão necessários R$ 4,5 milhões para reformar toda a estrutura de três pavimentos, que tem cerca de mil metros quadrados.
— Será a sede do instituto. Um espaço multiuso, com cursos, oficinas, exposições e palestras. A ideia é deixar a casa oca por dentro, sem divisórias. Uma escada interna vai conectar os três andares — explica a artista plástica Zoravia Bettiol, 89 anos.
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Cada passo dado no local deve ser feito com cuidado. Estacas de pau seguram a varanda na fachada, assim como o teto de alguns cômodos. Plantas cresceram entre rachaduras no chão, e os poucos móveis que ainda permanecem na casa estão empoeirados. Nem as estátuas de leão que deram nome à casa resistiram: foram roubadas na década de 1980, após o imóvel ser vendido pela última família que morou no local.
— Teremos que recuperar os ornamentos da fachada, refazer as lajes internas, limpar o pátio que há nos fundos, refazer rebocos, pintar todo o imóvel e o principal: consertar o telhado, por onde vamos começar. A cor amarela será mantida na fachada — diz o arquiteto Analino Zorzi, que trabalha junto com os colegas Adroaldo Xavier, Antônio Carpes e Neusa Turatti.
A partir do início da obra, a revitalização deve ficar pronta em um ano, afirma Zorzi, que recebeu a reportagem de Zero Hora no casarão. Serão pelo menos 15 pessoas trabalhando no local.
Depois que estiver revitalizado, o espaço será mais uma atração cultural em um corredor do Centro Histórico que reúne Usina do Gasômetro, Casa de Cultura Mario Quintana, Museu da Comunicação, Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e Centro Cultural CEEE - Erico Verissimo.
Não é a primeira vez que se tenta dar um destino ao casarão. Na década de 1990, ele chegou a ser cotado para abrigar as pinacotecas Aldo Locatelli e Ruben Berta. De acordo com uma reportagem publicada em Zero Hora em 2002, a proposta ficou apenas no papel em razão dos altos custos que demandaria.
A Casa dos Leões ganhou uma breve finalidade em 2009, quando foi transformada em uma das obras mais chamativas da Bienal do Mercosul. Foram utilizados canos de PVC, madeira, lâminas de compensado flexível e restos de construção civil para dar forma a uma estrutura semelhante a um tumor brotando da arquitetura pelas janelas e portas. Denominada Tapume, a arte foi apelidada de Casa Monstro. À época, o artista plástico paulista Henrique Oliveira disse que "queria chamar atenção para essa casa, tão bonita, e passando desapercebida pelas pessoas".
![Arivaldo Chaves / Agencia RBS Arivaldo Chaves / Agencia RBS](https://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/24138056.jpg?w=700)
Últimos moradores
A Casa dos Leões foi construída em 1894, sendo, inicialmente, um imóvel térreo, com três janelas e portão de ferro. Pertencia a Olympio Carlos de Araújo Brusque e, depois, passou para sua filha, Amelina Brusque. Nas décadas seguintes, foi ampliada, recebendo mais dois andares e características do movimento eclético.
Em 1936, a casa foi comprada pelo italiano Lourenço Melchionna, que a dividiu nos números 507 e 509. Uma parte foi sublocada e usada como pensão para estudantes universitários, enquanto a família Melchionna morava em outro espaço. Sandra Melchionna, neta de Lourenço, nasceu e viveu até os 17 anos de idade na casa. Ela e seus pais, Alberto e Vilma, foram os últimos moradores do imóvel.
— Passo lá na frente e morro de saudades. Minhas raízes estão nesta casa. Comi muita fruta no pé das árvores, fiz muita brincadeira. Nós esquecemos de tudo na vida, menos da infância. Torço muito para que a casa seja reformada — diz Sandra, que hoje está com 63 anos de idade.
— O pátio nos fundos tinha horta, pitangueira, limoeiro, abacateiro e galinheiro. Eram 18 quartos em toda a casa, contando a parte que foi usada como pensão — lembra a ex-moradora.
No livro Um Passeio no Tempo, a pesquisadora Marina Bordin Barbosa lembra que a família Melchionna vendeu a casa, em 1981, para as empresas Ciasul e Joeter (esta segunda pertencia à família Gerdau). Segundo a ex-moradora Sandra Melchionna, o motivo foi a construção de um prédio residencial ao lado, na década de 1970.
— Os novos vizinhos começaram a jogar lixo para o terreno da nossa casa — lembra.
Em 1991, a Joeter fez uma permuta com a prefeitura de Porto Alegre, trocando a casa por uma outra área no município. Três anos depois, a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) fez uma reforma do telhado, que, devido à ação do tempo, terá de ser refeita pelo Instituto Zoravia Bettiol.