
Os jovens com idades entre 19 e 29 anos têm liderado os pedidos de demissão voluntária no Rio Grande do Sul. De acordo com a Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), em 2024, das 603,5 mil saídas de emprego por conta própria — 40,9% das demissões totais —, 45% tinham essa faixa etária.
Os dados corroboram para um cenário de transição no mercado de trabalho, marcado por um 'embate' entre gerações e suas diferentes prioridades. Antes, se um sonho comum era ser contratado e se aposentar em uma única empresa, dos anos 1990 para cá os objetivos mudaram, segundo a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a professora Lodonha Maria Portela Coimbra Soares:
— Hoje o jovem prioriza o lazer, a academia, empregos que possibilitem ele a continuar realizando suas atividades. Na medida em que ele não é permitido a realizar esse tipo de atividade, ele simplesmente abandona e vai buscar outro emprego. Estamos num processo de transformação, uma linha tênue em que existe o novo modelo de trabalhador, que busca muitas vezes um home office, meio turno, com os empregadores e CEOs que ainda buscam do jovem aquele comprometimento que tinham seus pais. A maioria dos empregadores é da geração anterior, que ainda tem no trabalho o compromisso, as regras, e a geração atual está se rebelando a esses modelos.
Outro aspecto considerado pela especialista para traduzir os números é que os desligamentos entre jovens ocorrem, também, em setores que têm alta rotatividade, como supermercadista, comércio em geral e serviços, oportunidades utilizadas muitas vezes como porta de entrada no mercado formal.
Não é um momento crítico, salienta Lodonha, mas de adaptações:
— Daqui a pouco esses jovens vão estar gerindo empresas, podendo ser os contratantes. Será uma mudança natural. Neste momento podemos dizer que estamos passando pelo ápice dessa transformação. O empregador está ciente dessa situação, muitos estão buscando adequação e modelos de trabalho mais atrativos para os jovens, com vantagens não só relacionadas ao salário, mas também a um ambiente aprazível, em que ele (funcionário) se sinta bem.
Além da implementação de modelos de trabalho flexíveis, a tendência, aponta a diretora de eventos corporativos da ARH Serrana, de Caxias, Lucélia Spuldaro, é que as companhias proponham investimentos em cultura organizacional — comunicação interna adequada, reconhecimento de colaboradores e ambiente de diversidade e inclusão —, em programas de desenvolvimento de carreira e, especialmente, no bem-estar e saúde mental dos colaboradores.
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que trata sobre o tema, passa por atualização e mobiliza empresas para as devidas adequações a partir de maio. Com a medida, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) fiscalizará, na prática, situações como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, falta de autonomia no trabalho e condições precárias de trabalho. Essas intercorrências podem gerar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores.
— (É preciso) oferecer acesso à terapia, a iniciativas que visam o bem-estar dos trabalhadores. Também pesquisas de clima e engajamento para identificar quais áreas precisam de melhoria e benefícios. Não é só salário, às vezes é um benefício, uma liderança — afirma Lucélia.
Em um contexto de maior oferta (vagas de emprego) do que demanda (mão de obra), a diretora da ARH Serrana indica que o aumento nos pedidos de demissão também tem como causa a ampliação do número de microempreendedores individuais (MEIs), que saem de um emprego formal para gerir os próprios negócios.
Lucélia relata que equipes de recursos humanos (RH) enfrentam dificuldades, ainda, com faltas na hora da entrevista de emprego:
— Não existe uma solução única para o aumento dos pedidos de demissão. Cada empresa precisa analisar sua própria realidade, identificar as causas específicas da sua rotatividade e implementar as estratégias que melhor se adequam ao seu contexto e aos seus colaboradores. Precisamos olhar para o profissional como um ser humano único, com prioridades e necessidades diferentes.
Dados
Em todo 2024
603,5 mil demissões voluntárias no RS, 5° maior número do país.
- 45% dos pedidos vieram de pessoas com idade entre 19 e 29 anos
- Por setor: serviços (38%), comércio (29%) e indústria (24%)
- 51% feitos por homens e 49% por mulheres
- 54% foram de pessoas com Ensino Fundamental completo
Ao todo, 1,4 milhão de contratos com carteira assinada foram encerrados no ano