É, caríssimos, o novo ano já despontou. Chegou sem pedir licença, trazendo consigo um punhado de dias fresquinhos e um céu inteiro de possibilidades. Não sei como isso soa pra vocês, mas, confesso, o recomeço me embriaga e assombra. É como se a vida resolvesse gritar sua dualidade bem na minha cara. E, olha, vou ser sincera: não gosto muito dessa coisa de opostos. O bem e o mal, o feito e o não feito, o fim e o recomeço, o amor e o ódio. Tudo isso me parece uma dádiva e um castigo ao mesmo tempo.
Prefiro a vida quando ela se equilibra. Quando o balanço das coisas encontra um ritmo e não precisa de extremos pra dançar. Mas eis que o novo é como uma onda: imprevisível, ora serena, ora revolta. E mesmo me amedrontando, não conheço quem persiga o desconhecido com tanta gana quanto eu. Estou sempre à espreita do que não sei, de algo que nem sei nomear, mas que me move. Miro no futuro e vou. Vou com tudo!
Mas, ultimamente, algo tem me travado. Como se o motor que me empurra pra frente estivesse emperrado. Tenho me pegado congelada, os ossos tilintando de medo. Medo do desconhecido, tal qual uma criança que se esconde debaixo das cobertas no quarto escuro. O que ela teme? Os monstros que imagina estar ali. E eu? Ah, eu também vejo monstros no porvir.
Sim, os monstros existem. São reais e imaginários, concretos e etéreos. Habitam o nosso peito, nascem da nossa humanidade que ora chora, ora ri. Esses monstros são como sombras, um contraponto da luz que carregamos. O medo que eles provocam é parte da nossa essência. Tentar erradicá-lo é como negar o ar que respiramos. O medo, meus caros, é um lembrete de que estamos vivos.
Tenho pensado muito sobre isso. Quando o medo me toma, minha mente viaja da Bíblia a Guimarães Rosa. Uma das frases mais repetidas no grande livro é: “Não temas”. Uma ordem e um consolo. E Guimarães, em seu Grande Sertão: Veredas, sentencia: “O que a vida quer da gente é coragem”. Que beleza! Que desafio!
Diante do ano que se apresenta à minha frente, com suas promessas e suas armadilhas, decido abraçar essas palavras como um mantra. Quero sorver a vida, com toda a alegria e realização que ela puder oferecer. Quero ser como um trator, firme e implacável, atravessando os dias e suas intempéries. Já vivi tempestades antes. Tempestades que me viraram pelo avesso. Mas sobrevivi. E é nisso que me agarro: na certeza de que sou mais forte do que penso.
Então, hoje, diante de vocês, do espelho e da vida, faço uma promessa: não temerei o que vier. Estou pronta pro novo. Sei que vou tropeçar. Sei que vou cair. Mas também sei que vou me levantar. Porque é assim que tem que ser. Não é coragem que falta, mas memória pra lembrar que ela já mora em mim.
O novo ano é um convite pro incerto, uma travessia rumo ao desconhecido. E eu, com minha bagagem cheia de esperança e temor, aceito o convite. Que venham os monstros e os milagres. Que venha a vida, em todo o seu esplendor e toda a sua dualidade. Estou pronta pra dançar com ela, um passo de por vez.