Pilar cresce para além do que meus olhos cotidianos podem perceber. No compasso das horas distraídas, os centímetros se somam sem aviso, e quando me dou conta, lá está ela: agigantada, robusta, uma sequoia que se ergue soberana enquanto eu, pequena e emocionada, deito à sua sombra. Ali, onde o tempo deságua sem pressa, minha paz e minha guerra tiram férias. E então, entre um gole de café e um relatório inacabado, ouço sua voz — doce e firme — me contando do seu dia, e percebo que, em minutos, anos se passaram.
As águas de março encerraram o verão sem grandes danos, mas há uma tempestade que se avizinha no tempo que passa e transforma. Entre compromissos, reuniões e prazos, um assombro silencioso me acompanha: minha bebê se distancia do meu colo e caminha com passos cada vez mais seguros para longe da minha sombra. E se o amor materno fosse um ofício, talvez esse fosse seu grande paradoxo: amar tanto que a vitória está justamente no afastamento. Criar para soltar, embalar para que, um dia, ela possa dançar sozinha.
Sempre soube que seria assim. Sabia desde as noites em claro, desde os primeiros passos inseguros sobre o chão da sala. Sabia desde os primeiros “eu consigo sozinha”, ditos com um orgulho que eu mesma ensinei a ela ter. Mas saber não ameniza o espanto. Saber não evita o nó na garganta que me visita quando percebo que sua infância se dobra e se despede, educada e apressada, como quem tem horário marcado com o futuro. E eu, que sempre fui gestora de tantos planos, organizadora de tantos caminhos, me vejo diante do incontrolável: o tempo. Ele corre solto, sem pauta, sem cronograma, sem pedir licença.
Eu era mãe de um bebê. Uma gatinha que ronronava entre meus braços, miava baixinho pedindo abrigo, se aninhava no calor das minhas certezas. Agora, vejo os traços de uma onça se desenhando nela. A garganta aberta ao mundo, o peito inflado de coragem. Tal qual tem que ser. Tal qual eu sempre desejei que fosse. Me assusto, sim, mas estou pronta, pois gatinhas e onças ainda são felinos. E eu conheço essa raça. Sei dos seus olhos brilhantes e do seu espírito selvagem. Sei das unhas afiadas para a defesa e do dorso arqueado para o ataque. Sei da doçura que, vez ou outra, se esconde no ímpeto de enfrentar o mundo. Mas sei, sobretudo, do amor indomável que a sustenta, que a fortalece, que a conduz para o alto.
O amor de mãe é um ofício contínuo e sem aposentadoria. Nunca deixarei de ser abrigo, nunca serei menos sequoia, sombra e sustento. Mas sei que a floresta precisa crescer além de mim. Sei que o vento a levará para lugares que minha experiência não pode alcançar. E esse é o ciclo. O que me resta, entre planilhas e redações, entre viagens e reuniões, entre os carinhos matinais e os beijos antes de dormir, é me curvar diante desse amor gigante, deixar que a correnteza leve o tempo e aceitar, com gratidão e orgulho, o que sempre foi inevitável: Pilar, em sua plenitude, sendo mais dela mesma e menos de mim.
E que sorte a minha, afinal, poder assistir a tudo isso de perto. E que privilégio ter essa sequoia, essa onça, esse furacão de vida me ensinando, dia após dia, que o amor não diminui com a distância — ele se expande, feito raiz forte, feito árvore que alcança o céu.