Você é filho de quem? Uma pergunta que ecoa, atravessa gerações, perambula pelas ruas das cidades e repousa nas madrugadas insones das mães que ficaram. Os homens fazem, as mulheres criam. É uma equação antiga, batida, mas ainda tão presente que parece lei não escrita. Ela não fez sozinha. Mas ficou sozinha.
Uma amiga engravidou de um cara comum, desses que parecem legais, que sorriem fácil e falam bonito. Um descuido de ambos, diziam. Mas o peso caiu só sobre ela. Quando contou, ouviu a sentença: tira! Depois, ao se recusar, veio o veredito final: então, é responsabilidade sua. E ele seguiu a vida, livre. Como tantos outros antes dele. Como tantos outros depois.
A vida segue? Segue. Mas só para ele. Para ela, a vida se rearranja em outra órbita. Planos mudam. Caminhos se estreitam. As contas crescem. O corpo muda. A rotina se molda a um ser que ainda nem chegou, mas já demanda tudo. E ninguém fala sobre isso. Sobre como o abandono paterno rouba não só um pai da criança, mas também rouba a mãe de si mesma.
Porque quando um pai se vai, não é só a ausência dele que pesa. É a ausência dela também. A mulher que existia antes some. No lugar, fica a mãe, exausta, sobrecarregada, dividida entre ser tudo para o filho e nada para si.
As mulheres que criam sozinhas sabem: a maternidade solo não é só sobre criar uma criança sem pai. É sobre deixar de ser quem se era para dar conta do que ficou.
Mas o tempo passa. E as crianças crescem. Ah, como crescem. Aprendem a caminhar sem mãos para segurar. Aprendem a contar com poucas presenças, a buscar referências em outros lugares, a entender cedo demais que nem todo mundo que deveria ficar, fica. O destino, esse sujeito cheio de ironia, faz seu trabalho.
Os anos avançam, a adolescência chega, a vida adulta também. E os pais que foram, que sumiram, que descartaram, reaparecem. Querem saber como estão os filhos, querem recuperar o tempo perdido, querem carinho e cuidado. Querem espaço. Querem amor.
E os filhos? Os filhos olham para eles e pensam: o filho de quem, mesmo? Porque o que ninguém fala é que, quando um pai some, a criança nasce e, ao mesmo tempo, morre. Nasce órfã de pai, morre órfã de mãe. Porque aquela mulher que deveria ter vivido sua vida, seus sonhos, sua plenitude, ficou soterrada pelas exigências de ser tudo para um filho sozinha. Como pode alguém nascer no mesmo dia em que morre?
Mas a vida segue. Segue porque tem que seguir. E lá na frente, quem sabe, o jogo vira. O tempo ensina. As mulheres que ficaram, ficam mais fortes. Os filhos que cresceram, crescem sabendo seu valor. E os que sumiram? Bom, esses vão ter que conviver com o vazio que deixaram.
Porque a conta chega.
Sempre chega.