Fim de Carnaval é como álbum de samba que chega ao fim. Meio triste. As ruas ficam vazias durante a noite e a cidade reencontra o silêncio. A Quarta de Cinzas funciona como o despertar que ninguém estava preparado: volta a rotina, voltam os rostos sérios. O que vem pela frente é a certeza de que avançamos um ano, mas o Carnaval que recém passou nos trouxe a ideia de que, sim, desta vez regredimos.
Neste ano eu tive medo ao sair para festejar na rua. Provavelmente o mesmo medo que as meninas sentem durante todo o ano ao sair com a roupa que querem, do jeito que querem, e ainda assim acabam sofrendo assédio. Nas ruas, enquanto dia, os rostos estampavam sorrisos e o choro debaixo dos olhos era suor e purpurina. Mas quando a noite veio, eu ouvi tiros. Eu vi pessoas se batendo e algumas outras machucadas no meio fio. Eu escutei garrafas quebrando e não soube para onde correr. Na manhã seguinte, a notícia de que as cenas tinham sido muito piores do que tudo aquilo que eu vi.
Aristóteles foi um dos pioneiros ao dizer que o Homem é um animal racional. Quanto a isso, não concordo. Inúmeros estudos comprovaram que a racionalidade não é um privilégio nosso, e que os animais (lobos, chimpanzés, corvos, etc) são tão espertos quanto. Cachorros conseguem fazer planejar o futuro e ficam em luto quando algum companheiro morre. Sem as abelhas, que são capazes de compreender conceitos abstratos, a humanidade seria extinguida em 4 anos. Agora, vai me dizer: quando um jovem é agredido, espancado e pisoteado em plena rua, no fim de uma festa tão alegre quanto o Carnaval, onde é que mora a racionalidade?
A verdade é que somos meio-racionais. Alguns, nem isso.
Passei o dia seguinte tentando encontrar uma resposta. Procurei compreender a violência assistida e ignorada minutos depois. Foi a Quarta de Cinzas mais longa que já vivi. Lembrei o quanto podemos ser irracionais: ingerimos a gordura que o nosso corpo não pede e não precisa; fumamos quando sabemos as chances de ter que enfrentar um câncer; saímos do nosso eixo quando o assunto é amor. Quer animal mais irracional que um Ser Humano apaixonado?
Conversando com amigos, o sentimento era o mesmo: insegurança. Estamos à mercê em qualquer lugar, a qualquer horário. Vivemos despidos e a céu aberto, mesmo debaixo de tetos e dentro de portões e cercas elétricas. Regredimos, e desta vez houveram lágrimas em meio ao suor e a purpurina. Aristóteles há de me desculpar, mas não somos racionais como ele pensava. Buscar a solução para voltarmos a avançar não é apenas algo urgente. É questão de sobrevivência.