
Pela lei da Igreja, qualquer homem batizado pode ser escolhido Papa. Por uma tradição de séculos, o líder dos católicos é eleito entre um restrito colégio de cardeais que, hoje, soma 252 nomes. Os europeus figuram com a maior quantidade de representantes entre os chamados "papáveis" para suceder Francisco, que morreu nesta segunda-feira (21).
Do recorte de 252 possíveis pontífices, a exemplo de conclaves anteriores, desponta uma seleção ainda mais curta de favoritos, de acordo com fontes de dentro do Vaticano e jornalistas especializados na cobertura dos bastidores da Santa Sé.
O site especializado College of Cardinals Report (formado por jornalistas e pesquisadores de vários países) contabiliza uma lista de 22 nomes de candidatos com mais força para se converterem no sucessor do argentino Jorge Bergoglio. Desse contingente, 54% são europeus, 18% são asiáticos, 14% africanos, e há apenas dois concorrentes da América do Norte e um da América do Sul — o uruguaio Daniel Fernando Sturla.
É preciso, porém, cautela ao apontar quem tem mais chances de ser eleito. Um antigo ditado italiano diz que "quem entra Papa (no conclave), sai cardeal". Um dos nomes mais comentados entre vaticanistas e favorito em casas de apostas — e, portanto, sujeito a confirmar o velho preceito — é o de Pietro Parolin.
Secretário de Estado do Vaticano desde 2013, o italiano de 70 anos tinha a confiança de Francisco e desempenhou papel de destaque em ações importantes como a reaproximação entre a China e o Vaticano. É considerado de perfil moderado, o que conta pontos a seu favor no contexto atual da Igreja Católica.
Apesar do predomínio de europeus entre os mais cotados, há muitos representantes da África e da Ásia com chance de assumir a função, como Fredolin Besungu, do Congo, ou Luis Tagle, das Filipinas, cujo apelido é "Francisco da Ásia" em razão da afinidade com o último pontífice.
O padre e teólogo Erico Hammes, professor emérito a PUCRS e sênior da PUC do Paraná, acredita que o próximo conclave deverá dar preferência a um cardeal que traga mais estabilidade à Santa Sé depois do papado considerado reformador de Francisco — o que despertou insatisfação de setores mais conservadores mundo afora.
— Deve haver alguma influência (do legado de Francisco) nessa escolha, mas também haverá aspectos históricos que terão o papel de contrabalançar algumas coisas, que deixariam a Igreja mais estável. Não vejo um colégio de cardeais que escolheria alguém, nesse momento, em linha de continuidade da coragem e da presença que teve Jorge Bergoglio — opina Hammes.
Quais são os principais nomes para assumir o papado
Veja, a seguir, alguns dos nomes citados como favoritos para liderar os católicos.
Pietro Parolin, 70 anos
Secretário de Estado do Vaticano desde 2013, o italiano costuma estar presente em todas as listas de favoritos — lidera inclusive nas casas de apostas, com uma probabilidade de 20%. Teve papel de destaque no restabelecimento das relações entre Vaticano e China, entre Estados Unidos e Cuba (em 2014) e, no ano passado, esteve cumprindo missão de paz na Ucrânia. Tinha confiança de Francisco, que o nomeou cardeal no mesmo ano em que se tornou Papa. É considerado de perfil moderado e pode ser um candidato consensual entre os setores reformista e conservador.
Fridolin Ambongo Besungu, 65 anos
É um dos nomes fortes caso a escolha recaia sobre o continente africano. Proveniente da República Democrática do Congo, tem uma postura mais conservadora capaz de contrabalançar a influência mais progressista de Francisco. É notoriamente contrário à permissão concedida pelo argentino para que padres abençoassem casais do mesmo sexo ou não-casados. É conhecido ainda pelo apoio a políticas de atenção aos mais pobres.
Robert Sarah, 79 anos
Outro nome forte a representar os candidatos africanos é o de Sarah, da Guiné. Assim como Besungu, tem um perfil mais conservador em questões comportamentais. É conhecido por defender a tradição litúrgica, com críticas frequentes ao "relativismo" e ao "secularismo". Um fator que pode pesar contra suas chances é a idade já um pouco avançada, prestes a completar 80 anos.
Péter Erdö, 72 anos
O húngaro é outro nome europeu mais alinhado à ala conservadora citado como possível eleito. Opõe-se, por exemplo, a que católicos divorciados possam receber a comunhão ou que casais do mesmo sexo recebam a bênção. Ao mesmo tempo em que admite o direito de pessoas migrarem por razões como fome ou guerra, aponta riscos à estabilidade política dos países que recebem esses fugitivos. É visto como alguém com capacidade de diálogo com outras religiões.
Matteo Zuppi, 69 anos
Nomeado cardeal por Francisco em 2019, é visto como um nome em rápida ascensão na igreja italiana. Arcebispo de Bolonha, foi nomeado como enviado para a paz na Ucrânia pelo antigo Papa. É apontado como alguém mais sujeito a dar continuidade ao legado progressista de Francisco, já tendo se manifestado de forma favorável à transformação do catolicismo em uma igreja mais aberta, inclusiva e capaz de dar conta dos desafios modernos, se mantendo fiel ao Evangelho.
Raymond Leo Burke, 76 anos
O norte-americano é uma das apostas dos setores mais conservadores da igreja. Burke representaria uma ruptura com o legado reformador e progressista de Francisco, o que pode reduzir suas chances caso o Colégio de Cardeais procure um nome mais ao centro. Em 2020, por exemplo, parabenizou publicamente um padre que negou a comunhão ao ex-presidente Joe Biden por sua postura favorável ao aborto. Agiu da mesma forma quando outro padre negou a comunhão a uma mulher homossexual. Nomeado por Bento XVI em 2010, é especialista em Direito Canônico.
Luis Antonio Tagle, 67 anos
Se os cardeais entenderem que é hora de dar uma nova guinada geográfica e escolher um papa asiático, o cardeal filipino é considerado uma das opções mais viáveis. Liberal, tem feito manifestações favoráveis à comunidade LGBT+ e aos divorciados. É visto como um nome capaz de dar continuidade ao legado mais progressista do argentino Jorge Bergoglio — aliás, já foi chamado de "Francisco da Ásia". Foi nomeado por Bento XVI em 2012.
Peter Turkson, 76 anos
No último conclave, o nome do cardeal de Gana já aparecia em listas de favoritos. Ex-presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, está vinculado à ala mais liberal da Igreja, com uma postura progressiva em questões LGBT+ e em relação ao fim do celibato para os padres. É uma voz proeminente em temas como mudanças climáticas, pobreza e justiça social. Se os cardeais buscarem reequilibrar o viés reformador do último papado, perde força.
José Tolentino de Mendonça, 59 anos
O português de viés progressista aparece em algumas listas mais amplas de possíveis sucessores. Seu nome ganhará fôlego se os cardeais entenderem que devem dar continuidade ao legado mais liberal do último pontífice e, principalmente, se optarem por alguém mais jovem e com vitalidade — já que é um dos religiosos mais jovens com chance de comandar os católicos. Foi nomeado cardeal por Francisco em 2019. Uma curiosidade: é também poeta.
Jean-Marc Avelline, 66 anos
O francês, arcebispo de Marselha, é conhecido por sua proximidade ideológica com o papado de Francisco, principalmente em temas como migrações e aproximação com os muçulmanos. Caso seja eleito, seria o primeiro papa francês desde o século 14. Seu nome ganha força se os demais religiosos optarem por alguém mais jovem na comparação com os dois últimos pontífices.
Malcom Ranjith, 77 anos
Convertido em cardeal por Bento XVI em 2012, o arcebispo de Colombo, no Sri Lanka, é um conservador poliglota (fala 10 línguas) com amplo conhecimento da governança da igreja. É um nome a ser considerado por garantir a continuidade de um legado mais conservador, ao estilo de Bento XVI, ao mesmo tempo em que representa uma zona do planeta onde a igreja católica está em ascensão.
Pierbattista Pizzaballa, 60 anos
Patriarca latino de Jerusalém, que lhe dá responsabilidade pela igreja em uma área que compreende Israel, Palestina, Jordânia e Chipre, foi nomeado cardeal por Francisco em 2023. É um defensor do diálogo inter-religioso e de uma solução pacífica para o conflito envolvendo os palestinos. Também defende a justiça social.
Willem Eijk, 71 anos
Da Holanda, filho de pai protestante e mãe católica, é apontado como alguém capaz de conciliar ideias opostas desde o berço familiar. Adotou posições mais conservadoras, como a contrariedade com a concessão de bênção a casais de mesmo sexo, mas de forma mais polida do que outros cardeais linha-dura mais rigorosos. Durante a pandemia de covid, foi um ardoroso defensor da vacinação como uma "obrigação moral" para proteger a si e aos outros. Perdeu popularidade em seu país por ter fechado algumas paróquias.
Charles Bo, 76 anos
Considerado de perfil amistoso e pastoral, o cardeal de Mianmar nomeado em 2015 por Francisco ama as artes e esportes, apoia a ênfase dada pelo último pontífice à misericórdia, mas também demonstrava afinidade com o conservador Bento XVI. É considerado um ortodoxo, contrário à ordenação de mulheres ou ao fim do celibato obrigatório, mas que prefere se manifestar publicamente sobre outros temas, como paz e justiça.
Anders Arborelius, 75 anos
Proveniente da Suíça, foi nomeado cardeal em 2016 pelo Papa Francisco. Bispo de Estocolmo, responde pela igreja católica em todo o país. Cresceu como luterano, e se converteu mais tarde ao catolicismo. É conservador em questões comportamentais, mas adota uma postura mais pragmática em temas como diálogo inter-religioso. É um fervoroso defensor do ambiente.
Veja lista ampliada de favoritos
- Fridolin Ambongo Besungu, 65 anos (República Democrática do Congo)
- Anders Arborelius, 75 anos (Suécia)
- Jean-Marc Avelline, 66 anos (França)
- Angelo Bagnasco, 82 anos (Itália)
- Charles Maung Bo, 76 anos (Mianmar)
- Stephen Brislin, 68 anos (África do Sul)
- Raymond Leo Burke, 76 anos (Estados Unidos)
- Willem Jacobus Eijk, 71 anos (Países Baixos)
- Péter Erdö, 72 anos (Hungria)
- Fernando Filoni, 79 anos (Itália)
- Kurt Koch, 75 anos (Suíça)
- Gerhard Ludwig Müller, 77 anos (Alemanha)
- Marc Ouellet, 80 anos (Canadá)
- Pietro Parolin, 70 anos (Itália)
- Mauro Piacenza, 80 anos (Itália)
- Pierbattista Pizzaballa, 60 anos (Jerusalém)
- Albert Malcolm Ranjith Patabendige Don, 77 anos (Sri Lanka)
- Robert Sarah, 79 anos (Guiné)
- Daniel Fernando Sturla, 65 anos (Uruguai)
- Luis Antonio Gokim Tagle, 67 anos (Filipinas)
- José Tolentino de Mendonça, 59 anos (Portugal)
- Matteo Maria Zuppi, 69 anos (Itália)
- Peter Turkson, 76 anos (Gana)