
Existe algo curioso e ligeiramente engraçado no fato de adultos estarem viciados em livros de colorir. Se antes os desenhos fofos e divertidos eram restritos às crianças e seus lápis de cor, a destruição silenciosa da saúde mental nos últimos anos tem nos feito recorrer ao óbvio: tem vezes que voltar ao início é fundamental para que possamos seguir existindo.
Quando eu era criança, saíamos para jantar e meus pais levavam junto um estojo com lápis e canetinha. Eu me debruçava sobre os papéis de mesa e rabiscava a noite toda, feliz da vida. Hoje, vemos “o futuro repetir o passado” — nos últimos meses, só os livros da marca Bobbie Goods (os mais conhecidos e responsáveis pelo fenômeno atual) venderam mais de 150 mil exemplares apenas no Brasil.
Algo semelhante foi observado 10 anos atrás, quando os livros de colorir dominaram as prateleiras e rapidamente viraram febre. Se na década passada eles impulsionaram a venda dos lápis de cor, agora são as canetinhas de cores vibrantes que acompanham o hobby criativo que tem salvado a rotina de muitos adultos.
O paralelo, aliás, vai além: também estamos repetindo o passado ao perceber que esse resgate do “eu” tem sido urgente. De alguma forma, tem sido necessário revisitar os tempos em que tudo parecia mais simples e bonito — tal qual colorir uma página em branco. Em 2015, os desenhos eram flores e jardins, que agora deram espaço a ilustrações aconchegantes e nostálgicas de ursos e bichinhos vivendo pequenas alegrias do dia a dia. É mais que uma válvula de escape para o caos moderno — é uma forma de reduzir o ruído interno, estimular a atenção plena e aliviar a ansiedade.
A metáfora, aqui, estende-se por uma vida toda. Voltamos aos primeiros anos não só em busca de reconforto, mas também na tentativa de colorir a própria apatia do mundo em que temos vivido. Assim, nos debruçamos em cores vívidas porque tem nos faltado o bruto, o pessoal, o feito à mão, o rabisco, o poético. Não à toa, enquanto escritor, meus livros mais vendidos são aqueles que escrevo a próprio punho, abrindo uma porta para a imersão de um leitor que tem estado em extinção. Aliás, quem é que não tem se sentindo assim ultimamente?
É, Cazuza... o tempo não para. Mas às vezes, a gente precisa e acaba parando (nem que seja para colorir). Menos mal.