Dói. Jogar fora toda aquela tralha dói.
A relação chegou ao fim, as coisas já foram levadas embora e o silêncio se instalou no apartamento. Mas, mesmo assim, sempre sobra alguma coisa. Uma caixa, um bilhete, uma foto. Tem vezes que sobra tudo isso.
Para mim sobrou uma caixa de memórias inteira. E mesmo que o amor já tenha ido embora há algum tempo considerável, acredito que adiei o bota fora por puro medo. A gente receia em revirar as lembranças que vão nos fazer reviver tudo aquilo que foi – tudo aquilo que não é mais.
Nós podemos ter raiva. Nós podemos estar certos de que aquilo não nos fazia bem e que terminar foi, sim, a melhor escolha. Porém sempre existem as memórias para nos virar do avesso – e quando elas são físicas, a dor parece mais aguda.
E elas estão ali, então. Ali na minha frente.
São ingressos de cinema que já perderam a tinta e eu nem posso mais identificar de quais filmes se tratam. Tem também a caixinha da primeira e única aliança que comprei, presenteei e usei na vida. As cartas são inúmeras, e se dói agora é porque eu as li. É porque pareceu real. Pareceu ontem.
Encontrei também a camiseta que usei no nosso primeiro encontro, lá quando eu tinha um gosto totalmente questionável. Junto, um frasco de perfume. Alguns post its. Guardanapos com declarações de amor. Envelopes do nosso chá favorito. Ingressos do primeiro show que fomos juntos.
Ai.
Ai é a interjeição que melhor resume a minha dor.
Ai é a interjeição que melhor resume o meu medo.
Estamos todos suscetíveis, e quando o amor nos encontra, fragilizar-se parece requisito. Amor é sentimento delicado, exige cuidado e bom senso. Ninguém sabe muito bem como amar do jeito certo, namorar do jeito certo, manter uma relação do jeito certo. Afinal, o que é certo quando a gente fala de amor?
Errei.
Errei em abrir a caixa.
Deveria ter deixado a minha veia cênica tomar conta do meu corpo como um todo, pois assim eu faria uma fogueira. Eu queimaria cada parte, cada detalhe, veria aquela caligrafia (que agora vai ficar na minha cabeça por dias) esmaecendo no fogo.
Reduzindo, assim como um desamor.
Queimando, assim como quem é deixado.
Virando pó, assim como quem morre.
Leia também
Amor pela dança fez de bailarina de Caxias do Sul uma referência da arte acessível a todos os corpos
Pedro Guerra: Toda aquela tralha
Programação do 2º Verão em Picada Café inicia neste sábado
Nivaldo Pereira: Saturno e Urano
Projeto incentiva a leitura entre adolescentes, em Flores da Cunha