Minha tia voltou de viagem com mil histórias na mala. A primeira delas foi a de um médico que ela encontrou a caminho do Chile. Ele estava pedindo carona, e ela ofereceu um espaço no carro porque sabe que a maior riqueza que existe são as trocas humanas. Entre uma conversa e outra, observando a pequena mala do sujeito, ela questionou para onde ele estava indo. Confiante, o médico respondeu que tinha largado tudo para conhecer o desconhecido.
Já vi diversas reportagens sobre aqueles casais que venderam tudo o que tinham para dar a volta ao mundo. Usualmente os relatos vêm acompanhados de fotos em lugares paradisíacos que nos fazem refletir sobre o que estamos fazendo aqui, trancados em um escritório durante 8 horas por dia, com um curto espaço para uma refeição afobada. Tem quem diga que essas histórias todas são pura mentira, e que os corajosos que largaram tudo tiveram que trabalhar como garçons, baby sitters, e qualquer outra profissão que insistam em diminuir. Caso for verdade mesmo, a pergunta é só uma: e daí?
O médico no carro da minha tia estava deixando para trás esposa e filhos. Sem um pingo de arrependimento, ele disse estar cansado de viver e deixar o mundo para trás ao mesmo tempo. A mala pequena tinha o básico, e provavelmente alguns itens ainda eram desnecessários. Sem um rumo definido, o sujeito só queria mesmo era trocar o papel de parede – não o do computador do consultório, e sim o da vida mesmo. Afinal, estamos acostumados com a realidade de que as colinas verdes e o céu azul sempre estão ali, diante de nós, na tela do computador. E só.
A história toda me fez perceber o reflexo da atual geração. Os jovens de hoje não querem salários exorbitantes, pois ser feliz está, enfim, acima de qualquer coisa. Todos eles sabem que viajar para o outro lado do mundo depende de um baixo investimento, e que trabalhar como babá ou garçom está tudo bem, desde que se possa experienciar e viver o mundo como ele é.
Precisamos de pouco. Muito pouco. E talvez seja isso mesmo: de tanto procurarmos a simplicidade, acostumamos a nos frustrar com os exageros.