Sempre quis ter um cachorro. Desde pequeno, enchi os ouvidos dos meus pais de que deveríamos ter um Labrador, um Golden Retriever, um São Bernardo. Eu falava o tempo todo e nada. Por mais que o argumento deles fosse válido ("filho, você tem asma e rinite alérgica em nível desesperador"), eu ainda assim esperava um amigo peludo. Em uma alternativa que surgiu para me confortar, o que veio no lugar foi um par de peixe e uma tartaruga.
Dizem que a vida por si só já é traumatizante, mas a vida atrelada às minhas experiências com animais domésticos foi mais. Lembro de ter seis ou sete anos quando ganhei dois peixinhos miúdos. Compramos no shopping, e o modo de levá-los para casa era o mais tecnológico possível: um saco plástico com água dentro. Foi aí que começou o caos. Ao chegarmos em casa, descobrimos que o peixe nº 1 havia morrido. Foi a noite do funeral. Na manhã seguinte, acordei animado para dar comida ao meu outro peixe pela primeira vez. E então lá estava o peixe nº 2 da mesma forma, Mortinho da Silva. Parecia complô.
Eis que começou a era das tartarugas. A primeira até que durou um tempo razoável. Acontece que a casa era grande demais para nós dois, e então passávamos as tardes sem muito nos falar. Era a Beta no aquário e o Pedro mais preocupado em brincar de Lego. Nenhum latido, nenhuma bola de pêlo no meio do corredor. Quando a Beta se foi, chegaram duas novas tartarugas para suprir a sua ausência. Na falta de dois nomes criativos, optei por um só, e então elas passaram a se chamar Chiquititas (sim, as duas tinham um só nome).
A quarta e última tartaruga chegou perto da pré-adolescência, e ela foi a prova final de que eu não havia nascido para ter nenhum bicho de estimação (pelo menos, não peixes e tartarugas). O fato que comprova a minha tese foi eu ter esquecido o aquecedor de água ligado, e então, em uma tarde gelada, virei assassino da minha própria tartaruga. Foi um luto e tanto para uma criança.
— Mãe, eu vou ser preso? Mas... Eu matei ela.
O meu pai diz que usou o terreno baldio em frente ao nosso prédio para enterrar a coitadinha. Desse funeral, entretanto, eu não participei. Se bem me lembro, eu estava ocupado escrevendo uma carta para o Papai Noel. Pedindo urgentemente um cachorro, é claro.
Desde então, a casa segue silenciosa. Dizem que os pensamentos da vida adulta, por si só, já são bastante barulhentos.