Outra vez pinço observações do antropólogo baiano Thales de Azevedo em suas pesquisas sobre a cultura de Caxias do Sul, registradas a partir de 1955 e publicadas no livro Os Italianos no Rio Grande do Sul (Educs, 1994).
Altero aqui a ordem em que aparecem no livro, mantendo as datas e os informantes. São curiosos fragmentos de uma cultura em contínuo movimento, além de imagens da Caxias do Sul de há 70 anos.
“Caxias ainda é muito rural; toda gente da cidade ainda diz Cassias como os da zona colonial. Há um mito de Caxias da sua riqueza, prosperidade, organização, mito que é conservado pelos caxienses que emigram para Porto Alegre e fazem de sua cidade o ponto de referência para comparação com Porto Alegre e outros lugares. Caxias é uma zona rural que se enriqueceu e se vai transformando, rompendo a unidade da área. (24 jan.)”.
“‘Os de sangue azul’ já dominaram a vida política e social de Caxias; desde uns 10 para 15 anos a classe média lhe arrebatou o poder com o crescimento da cidade. (Mário Gardelin, 19 mar.)”.
“Há duas coisas de que o ‘italiano’ não abre mão quando se integra entre os ‘brasileiros’ – e são: 1) seu espírito de economia e 2) seu espírito de trabalho. Ele aprende a língua portuguesa, adota o vestuário gaúcho, come o churrasco, toma chimarrão, mas só não cede naquilo. (Gardelin, 19 mar.)”.
“Já há muito casamento entre pessoas de nome brasileiro e italiano, sobretudo na classe média. Mais que de brasileiros com alemães. (Zugno, 3 fev.)”.
“Os caxienses ainda não se adaptaram ao clima da sua região. São raras, pelo que ouço dizer em referência à gente de recurso, as casas com aquecimento central; usam aquecedores de querosene, carvão ou elétricos. Poucas lareiras. (6 fev.)”.
“Os homens não fazem questão de aparência; veem-se homens ricos, na rua, com calça de brim ordinário, sapato de pneu desbeiçado, sem gravata. (Profª Ruth Ramos Bianchi, 27 jan.)”.
“O povo contribui razoavelmente para a construção das igrejas. A de São Pelegrino está se fazendo com ajuda somente dos paroquianos e com quermesses e festas que rendem às vezes 80 contos. (Oscar, 12 fev.).”
“Uma grande e luxuosa casa de tolerância na freguesia de São Pelegrino incendiou há meses, não se sabe como. Diz-se, à boca pequena, que foi o Padre Giordani que mandou incendiar. Ele contestou-o do púlpito. (Oscar, 22 jan.)”.
“O culto da Umbanda se relaciona com os clubes de ‘foot-ball’, que realizam sessões na véspera das partidas com fins propiciatórios. (Gardelin, 19 mar)”.
“Ontem, duas moças vieram pedir hospedagem aqui no hotel. O hoteleiro me explicou que são moças (eram, aliás, mulatinhas claras) que vêm do interior à procura de trabalho nas indústrias e que isso é frequente. Ele não costuma aceitar para evitar aborrecimentos. Elas, em geral, conseguem hospedagem em casa de famílias modestas. (19 jan.)”.
“Nas fábricas procuram muito as moças de menor idade e as solteiras por causa do salário mínimo e das leis trabalhistas (licença para parto). (...) As moças empregadas dão parte do seu salário em casa. Com esse dinheiro as mães vão comprando o enxoval delas; mesmo sem ter namorado já cuidam do enxoval. (Nelly Vergamin, 24 jan.)”.
“As crianças, quando chegam à adolescência, querem vir para a cidade, atraídas pela possibilidade de fazer $1.800,00 por mês, queixando-se de que na colônia se acabam no trabalho e não fazem $1.000,00. É difícil um rapaz casar e ficar na colônia. Vêm para a periferia das cidades. (Ester Troian, 28 jan.)”.
“Visitei o Ginásio do Carmo. Nos quadros de formatura nenhum moreno (idem no São Carlos). Apenas um mulato em 45 contabilistas diplomados em 1953. (10 fev.)”.
“Não encontrei um só filho de criação na Zona do Cemitério (86 famílias brasileiras, num total de 117). Parece que é a pobreza que impede. (24 fev.)”.
“A Zona do Cemitério é chamada de África. (Gardelin, 19 mar.)”.