
A esta altura, meio mundo já deve ter assistido à minissérie Adolescência, na Netflix. Há tempos um produto cultural não dava tanto o que falar. Cumpre-se, com tal burburinho, a função da arte como tradutora de movimentos simbólicos na psique coletiva. A astrologia também cuida disso, de mapear a qualidade do tempo em consonância com ciclos cósmicos. E sim, o tema central da obra — a ferida no masculino, seus contextos e consequências — ecoa sincronicamente de configurações astrológicas atuais.
Comecemos pelo eclipse solar deste sábado, quando a Lua nova ofusca o Sol em Áries. No signo de fogo viril e afirmativo que começa o zodíaco, a dinâmica de revelações e ocultamentos que caracteriza os eclipses envolve, de imediato, o próprio princípio masculino. Regente de Áries, o belicoso Marte transita no signo de Câncer, este associado às bases emocionais e familiares. Não é uma posição tranquila. Diz a tradição que o planeta está em queda quando passa por Câncer, como se em tensão entre a natural vontade instintiva e demandas afetivas.
Marte já transita por Câncer há um tempo maior que o normal para cruzar cada signo, por conta do movimento de retrogradação. Ou seja, além do desconforto de estar sob uma energia que gera tensão, precisa suportar uma duração maior deste esforço. Junte-se a isso o ângulo também tenso que Marte faz com o planetoide Quíron — o astro que rege nossas incuráveis feridas e que está em Áries! — e temos um período fértil para a liberação de energias marcianas contidas, como raivas e violências. A barbárie pode emergir vulcânica feito um acerto de contas com o que nos feriu.
Guerras e outros desatinos à parte, os bons aspectos que Marte agora faz com Urano e Netuno talvez tenham dado as condições para que o mundo inteiro fosse tocado coletivamente pela série inglesa — lançada há apenas duas semanas do eclipse ariano — e assim pudesse discutir a complexidade dos assuntos abordados. Não vou dar spoiler a quem ainda não viu Adolescência, mas devo dizer que a trama conecta temas marcianos, como virilidade e agressão, ao contexto juvenil das redes sociais. Nada mais urgente.
Na mesma direção, dias antes de eu conferir — e adorar — a minissérie, já me chamara a atenção o vídeo É Sempre um Homem, do canal Meio, no YouTube, em que o jornalista Pedro Doria fala dos chamados “homens periféricos”. Citando autores e estatísticas, Doria analisa os perfis predominantemente masculinos entre grupos que defendem posturas extremistas na política, como o armamentismo e anseios ditatoriais. Seriam esses os homens periféricos, derrubados dos tronos de poder a que sempre se alçaram na cultura machista por conta das crescentes conquistas femininas.
A sensação de perda de valor dessa parcela social masculina gerou um ressentimento perigoso, que hoje nutre líderes autoritários, partidos e organizações empenhados em resgatar a supremacia perdida. Movimentos como o Red Pill — olha a literal energia vermelha de Marte! — pregam retaliações ao feminino. Como dialogar com esses homens com empatia, e sem que sejam vistos apenas como misóginos, retrógrados e fascistas?, pergunta Doria.
Eis escancarada a ferida moderna do masculino. Em meio a novas lideranças com sangue nos olhos e exagerada testosterona e a brados reacionários de religiosos que tentam justificar, à luz da teologia, um retorno ao antigo quadro de submissão das mulheres aos homens.
O eclipse solar em Áries e as tensões de Marte ativam esse tema a ser encarado pelos humanos nesta quadra histórica. A entrada de Netuno em Áries, neste domingo, para um ciclo de 14 anos, deve enfatizar os temas masculinos ainda mais. Precisamos falar sobre isso. E é uma bênção quando uma obra de arte, como a minissérie Adolescência, propicia os debates necessários para as medidas que possam conduzir a uma humanidade mais pacífica e justa.