
Não lembro de já ter olhado antes o mapa astrológico do papa Francisco. Sabia, sim, que ele era de Sagitário, e reconhecia isso no jeito dele sempre bonachão e no seu bom humor. Achava o máximo haver um papa que ria, que fazia piada. Nesse aspecto, eu considerava Francisco o oposto do sisudo ariano Bento XVI, com quem nunca simpatizei. Eu ainda valorizava muito o fato de ele ter sido o primeiro papa latino-americano e de ter adotado o nome de Francisco, numa clara opção pelo exemplo do santo que mais a fundo praticou a essência da doutrina cristã. Era o que eu esperava de um papa.
A morte de Francisco, pelo que representa a liderança suprema do catolicismo global, reforça o tenso tom de decisivas mudanças que ora se impõe no mundo. Assim, a escolha do seu sucessor chega com adicional expectativa sobre o rumo da Igreja nesses tempos em que forças reacionárias e progressistas se enfrentam na geopolítica. E sabemos bem o quanto os assuntos do céu e da Terra costumam se misturar para além do esperado, para além até mesmo do legal. Toda minha torcida é por um novo papa que dê prosseguimento às autênticas bases cristãs que Francisco renovou.
Tradicionalmente, Sagitário é o signo das religiões. Cabe ao mítico centauro buscar no alto, no reino do pensamento filosófico e das crenças metafísicas, soluções para os temas de sua parte material e finita. No mapa de nascimento do argentino Jorge Bergoglio, o Sol sagitariano se encontrava ligado aos planetas Saturno e Netuno. Sim, os dois astros que logo vão se alinhar exatamente no céu estavam opostos. Em toda sua pregressa vida como sacerdote, Bergoglio transitou entre a tradição saturnina — e não por outro motivo tornou-se papa — e a compaixão netuniana pelos pobres e necessitados.
Em seus 12 anos de pontificado, Francisco não abalou os alicerces estruturais da Igreja. Mas ampliou como poucos a sensibilidade às questões humanas e ambientais de hoje. E isso foi muito inovador. Seu signo ascendente era Câncer, e ele foi um cuidador do seu rebanho, não se negando jamais a abrigar os divergentes e a dialogar com as diferenças de credo. A Lua estava em Aquário, conjunta à afetuosa Vênus. E aqui surge seu olhar mais cósmico e abrangente, mais libertário e humanista. Urano, regente de Aquário, estava no alto do céu, como astro mais elevado. Francisco nos anunciou o futuro, com as posturas humanitárias que cabem a um líder religioso de um mundo em convulsão.
Enquanto o mercado é entronizado globalmente como divindade máxima, tornando o dinheiro a coisa mais importante dentre todas — acima até mesmo do direito à vida —, Francisco foi direto quando declarou: “O dinheiro deve servir, não governar”. Nada mais cristão. Afinal, está lá no evangelho, a fonte primária da mensagem de Jesus, a exortação de que não se pode servir simultaneamente a dois senhores, a Deus e ao dinheiro. Nesse mundo tomado pela ganância, portanto, não soam estranhas as manifestações de ódio a Francisco vindas de declarados cristãos e cidadãos de bem de bolsos cheios e alma vazia.
Ele mesmo explicou, em homilia no ano passado: “Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e, em última análise, problema algum”. E alertou: “E isto não é comunismo, é puro Evangelho!”.
Repito: era o que eu esperava — e ainda espero — de um papa.