Pensar sobre a morte passou a ser considerado algo próximo ao mau gosto. É uma realidade sobre a qual não nos interessa mais refletir. Sinal destes tempos que entronizam a ciência como um deus, a ser reverenciado. Pela minha proximidade com a filosofia habituei-me a ponderar sobre essa questão, central para muitos pensadores, sobretudo os antigos. Para o homem comum da época, habituado a esbarrar no perigo a toda hora, a vida, em sua individualidade, tinha uma dimensão quase nula. A crença na transcendência era capital, uma espécie de consolo a ganir diante da impotência de nobres e poderosos – os que mandavam no seu mundo. Mas eis que, na imersão dos nossos dias, vemos sendo jogado para debaixo do tapete até mesmo o medo que ela nos inspira, pois não nos permitimos mais considerar o óbvio: estamos todos condenados à extinção. A do corpo, pelo menos. No entanto, agimos como se fôssemos imortais.
Essa questão ocupou largamente o meu pensamento logo depois de ter realizado um exame que exigia sedação. Que experiência formidável! Por uma fração de aproximadamente uma hora, foi como se eu deixasse de existir. Toda a minha consciência foi suprimida e não sobrou nenhum resquício para alimentar a memória, assim que acordei. O que me veio à mente, em primeiro lugar, foi isso: não é bom e nem ruim, simplesmente é. Então, o ato de morrer não deveria vir carregado de tanto horror, pois pode ser nada mais que o prolongamento do que se passou comigo naquela sala de paredes brancas. Assim deveria ser para os crédulos e para os ateus. Aos primeiros, cabe a certeza deste prêmio futuro, a eternidade, junto aos que amaram no decorrer da jornada. Aos últimos, resta o doce consolo de que cairão num vazio que anula a si mesmos. Assim, deparei-me com essa afirmação, nascida da serenidade: que pena ser a morte uma experiência única, sobre a qual não poderemos fazer análises em retrospecto, impedindo-nos de partilhá-la com os que estão próximos. Deveria ser algo com o qual nos confrontássemos em curtos intervalos de tempo, para colocar tudo em uma perspectiva de alento. Talvez nossos projetos de mando e vaidade sofressem um saudável abalo. Compreenderíamos o que deveria ser evidente: ocupamos o coração dos seres e dos lugares unicamente em caráter provisório.
Que mansidão despir-se de certas angústias, deixando de torturar-se por aquilo que não se pode controlar. Aos que não tem fé e temem o abismo do nada, deveriam ser ministradas pequenas doses anestésicas. Aos demais, ah, esses já têm o privilégio de ver a sua existência forrada de sentido. Não precisam de consolos adicionais. São livres e passam ao largo da tirania que transforma a dúvida em sofrimento.