O fim da União Soviética, em 1991, trouxe a cientistas políticos a impressão de que a era dos regimes autocráticos havia caído por terra. Analistas de vários países registraram esse novo momento, com o nascimento e a consolidação de modelos democráticos e os sabores de liberdade experimentados por seus cidadãos. O norte-americano Samuel Huntington definiu a era como a “terceira onda de democratização”, momento de ampliação de direitos – civis e políticos – mundo afora.
Cito a perspectiva acima para exemplificar as transições políticas que vivenciamos ao longo da história. Contudo, a despeito das previsões otimistas da década de 1990, é chocante constatar que hoje a bússola aponta na direção contrária. O dado trazido pelo Instituto V-Dem, que anualmente produz um relatório sobre democracia no mundo, é impactante. Hoje, 5,7 bilhões de pessoas vivem em autocracias, regimes em que há apenas um detentor do poder político-estatal. O número corresponde a 72% da população mundial. Dez anos atrás esse percentual era de 46%.
E por que raios a população tem caminhado rumo a regimes com supressão de direitos?
Múltiplas são as razões. Entre elas, uma bastante factível. É a leitura de que, diante do caos e da desordem (segurança pública em frangalhos, economia claudicante e escândalos de corrupção), a população se sente angustiada e, para muitos, a solução é reforçar a autoridade. Nesse caso, somente um líder com pulso firme seria capaz de restabelecer a ordem social. Não à toa, as ditaduras atuais são personalistas, na esperança de que um único salvador seja capaz de resolver todos os nossos problemas.
Ainda que a ideia seja sedutora, é preciso lembrar que problemas complexos exigem soluções complexas, apesar de muitos líderes venderem o contrário.
Por fim, vale ressaltar que, por piores que sejam os percalços da democracia, é o regime que nos assegura liberdade de expressão e direito à participação política. Não é pouca coisa. É esse o regime que permite que pressionemos por decisões que afetam nossas vidas. Desprezá-lo é, portanto, abrir mão de um poder imenso e dar carta branca para que silenciem nossa voz.