Você deve se considerar uma pessoa boa. Eu também. Poucos são os que não têm essa imagem de si mesmos. Lamento informar, mas nem sempre é verdade. A maioria de nós, baseando-se em princípios aprendidos lá na infância, evita cometer ações que prejudiquem os outros para tornar a convivência melhor, para não agredir e sermos agredidos. Passamos a vida sem grandes atritos, mas fazemos escasso esforço para olhar quem está ao nosso lado em aflição, em desespero.
No entanto, há quem consegue se esquecer de si mesmo e, de forma concreta, tangível, ameniza o sofrimento dos outros. Quando vejo isso, fico com a certeza de que preciso aprender muito ainda. Que, no máximo, posso facilitar uma ação por conhecer alguém que ocupa um cargo importante. Mas nada muito além. Conheci, recentemente, uma mulher que me mostrou o tamanho da minha falta de comprometimento em busca da diminuição da dor alheia. A Sílvia parece destinada a estar sempre procurando a quem ajudar. E não falta quem precise. Ela me apresentou o Júnior, um rapaz de trinta e dois anos, deitado numa cama de hospital, esperando por uma cirurgia no cérebro. Há dois anos, trabalhando como motorista de táxi, passou em frente a uma boate e, do nada, foi atingido por sete tiros de um louco que resolveu descarregar seu revolver no primeiro que passasse na sua frente. E por infelicidade...
Conversamos muito e descobri nele um homem cheio de esperança e sem rancor. Não odeia ninguém. Aceita. Luta. Persiste. Desconfio que uma parte do mérito é da Silvia, que está constantemente ao seu lado, sendo muito mais do que uma psicóloga: uma amiga pronta a ampará-lo. Desconhece cansaço, fim de semana, dia ou noite. Como é que a gente pode se avaliar depois de testemunhar isto? O que fazemos é quase nada, tão preocupados com nossos problemas de ordem doméstica. Os tormentos grassam no mundo. Só que muitas vezes ele fica escondido, protegido atrás de altos muros, como que envergonhado de si mesmo. É preciso romper a casca do egoísmo, aprender a ouvir, estar atento, oferecer-se como companhia – que é somente isso que muitos precisam. A maior agonia é sentir-se sozinho quando estamos fragilizados fisicamente. Procuramos por uma mão que possa nos amparar. Aqui e ali pedimos por socorro e quase nunca encontramos eco para nossas palavras, pois todos parecem terrivelmente ocupados.
Será que algo em mim está apto a mudar depois de testemunhar uma doação tão incondicional? Tenho medo de despertar uma consciência meramente provisória. Um fogo-fátuo. Olho para Silvia e penso o quão religiosa ela é, pois está religando seu universo pessoal ao de quem padece. Enquanto isso, reclamamos da comida, do salário, da esposa, do marido. Somos pequenos. Um leve rubor cobre minha face. Mas sinto orgulho de saber que alguém me ultrapassa. Preciso acelerar meus passos.