Enquanto todo mundo fala de uma série de ficção baseada em fatos reais — Adolescência, na Netflix — eu prefiro falar de um fato muito real inspirado por ficção, mas nem tão ficção assim. Convido pais e mães a refletirem sobre o que seus filhos e suas filhas andam consumindo como “cultura” e “entretenimento”, o que há anos está permeando suas mentes e influenciando os comportamentos das nossas crianças, pré-adolescentes e adolescentes.
A banalização do crime, da promiscuidade, da misoginia, do abuso de álcool e drogas, da ostentação consumista: tudo isso é cantado a plenos pulmões sob uma batida eletrônica incessante e chamada de “música”. Entrem numa dessas baladinhas de adolescente e prestem realmente atenção à trilha sonora do ambiente: sempre há um tipo de música que chamam de “proibidão” com letras horrendas que subvertem qualquer valor ético e moral que as famílias gostariam de ensinar aos seus filhos.
Segue abaixo o trecho de uma das letras do filho de um famoso traficante, afilhado do assassino do repórter investigativo Tim Lopes (morto em 2002 com todos os requintes de crueldade que só um psicopata poderia conceber e dar cabo ao seu intento).
“De blusa de time, copão de whisky
Quando a dose sobe pra mente nóis fica naquele pique
Sou um favelado chique, a cara do crime”
E tem mais essa aqui (coloquei um asterisco na palavra que fere a dignidade feminina):
“Eu não vou largar ela por p*** nenhuma
Que desde novinho nóis bebe, nóis fuma
Que desde novinho meto bala nos cana”
Agora pensem que desde a pré-adolescência — e não só nas camadas menos favorecidas da sociedade, mas também nos recintos de boas casas de festas e clubes da classe média-alta — nossos adolescentes ouvem esse tipo de música, dançam, identificam como algo “popular”. Incrivelmente, nenhum adulto por perto parece entender o quanto é problemático um indivíduo em formação emocional, cognitiva e moral cantar esse tipo de coisa a plenos pulmões.
Já ouvi de alguns pais a seguinte justificativa: “Ah, mas é o tipo de música que eles gostam, é só pra diversão mesmo”. Será? Será que essa mentalidade de apologia à criminalidade e às drogas, inculcada tão cedo nas vidas desses jovens, com versos repetidos à exaustão num momento de lazer, não acaba normalizando, legitimando e empoderando o que jamais deveria ser considerado normal?
Cai esse verso de “meto bala nos cana” como semente no coração e na mente vulnerável de um adolescente negligenciado pela própria família e por um país corrupto cercado por violência e impunidade, e temos uma tragédia anunciada.
Quando alunos de 14 e 15 anos acham por bem levar uma faca de açougueiro para a escola para atacar uma professora pelas costas, quando uma menina de 13 ajuda esses garotos no crime achando que está “abafando”, temos uma subversão de valores que certamente não começou ali, naquele dia terrível na escola João de Zorzi.
Há toda uma mentalidade que foi sendo construída bem antes. Prestem mais atenção no que seus filhos consomem disfarçado de “entretenimento”.