
Para além dos coelhos e do chocolate as celebrações que promovem conexão espiritual têm reconquistado seu espaço no período da Páscoa. As encenações retratando a história de Jesus Cristo, tradicionais nas comunidades da região, ocorrem, principalmente, na Sexta-Feira Santa.
Ano a ano, os espetáculos organizados e protagonizados por voluntários têm atraído multidões que se emocionam, seja pela narrativa de fé, ou ainda pela sensibilidade artística dos atores amadores, que se dedicam a representar os principais personagens da história que conta os últimos dias de Cristo e sua vitória sobre a morte.
Comumente realizadas na área central dos municípios, próximas de igrejas, as encenações acabam sendo também uma opção cultural para reunir as famílias durante o feriado de Páscoa. Os espetáculos que encantam os espectadores e os fiéis costumam ser realizados a muitas mãos, todas voluntárias.
Entre os envolvidos, estão pessoas conhecidas da comunidade, que vem sendo reconhecidas pela sua entrega ao longo dos anos de atuação. Leia a seguir, a história de quatro cidadãos serranos que se descobriram atores por meio dessas encenações e há anos integram os elencos que representam a Paixão de Cristo.
Vocação para interpretar Jesus

Quando tinha sete anos, Giovani Mattiello assistiu ao tio interpretar Jesus durante uma encenação em Garibaldi. A admiração, naquele momento, se tornou inspiração para a participação dele, que se tornou o intérprete mais longevo de Cristo nas representações da cidade — foram 12 anos vivendo o filho de Deus.
— A primeira vez que interpretei Jesus tinha 18 anos. Aconteceu por acaso. A pessoa que iria fazer o papel desistiu um mês antes da encenação. Os organizadores precisavam de alguém que conhecia as cenas. Então, acabei assumindo o papel — conta.
Nos anos que seguiram o convite foi renovado. Por isso, Mattiello passou a adaptar o visual ao personagem, deixando barba e cabelo longos. Paralelo à isso, começou a estudar teologia.
— Sempre foi uma preparação mais espiritual do que técnica. Na encenação não pode ter vaidade, não pode ter nenhum sentimento meu. Tanto que, quando eu encenava, olhava para o céu em busca de Deus. Tentava me colocar ali como se, de fato, eu fosse Jesus — explica.
Há cerca de três anos Mattiello encerrou seu ciclo como Jesus. Contudo, segue na organização da encenação de Garibaldi. Ao todo, são 25 anos dedicados ao trabalho voluntário para realizar o espetáculo que une comunhão da fé com emoção.
Escolhido para encenar

Na juventude, César Campeol era um típico roqueiro: cabelo longo e barba comprida, trajado em roupas pretas. A transposição para o personagem bíblico aconteceu a pedido de uma catequista, moradora da mesma comunidade, no interior de Carlos Barbosa.
— Ela me convidou para fazer uma participação em uma celebração local. Fui lá receber as crianças. Depois disso me indicaram para interpretar Jesus na encenação da cidade — relembra.
O ano era 2000 e, desde então, Campeol tem sido o Jesus que percorre os três quilômetros entre a Igreja Matriz, no centro do município, até o Morro Calvário, onde a encenação termina.
Conforme revela Campeol, já são 25 anos interpretando o personagem na data mais importante da fé cristã.
— É uma responsabilidade dentro e fora da encenação, porque para viver Jesus é preciso cuidar das atitudes, precisa se manter na linha. Eu tento seguir o que ele ensinou, ir por esse caminho. Sempre que termina dá uma sensação de paz, alívio — revela.
Mesmo depois de tantos anos, Campeol admite ficar nervosismo antes de entrar em cena e possivelmente irá o acompanhar neste ano, que deve ser o último dele como Jesus.
O papel mais desafiador

A predileção por atividades comunitárias foi o que levou Luciano Rubini a se envolver com a encenação de Páscoa, em Flores da Cunha. Há 24 anos ele representa um dos soldados que açoita Jesus, papel que, segundo ele, exige concentração máxima.
— Quando me mudei para a cidade fui convidado para participar da apresentação e eu gostei. Depois, o convite foi feito de novo e de novo. Me adaptei para interpretar e estamos aí, há 24 anos, sem previsão de quando parar — conta.
Segundo Rubini, a cena é feita com um chicote verdadeiro. Além do cuidado redobrado para não ferir o ator que interpreta Jesus, ele conta que evita manter contato visual com o público, justamente para não se emocionar.
— Quando estou ali, tento não colocar sentimento, até porque quando assisto algum filme com esse tema, sempre choro nessa hora. Então, o jeito é focar e deixar os sentimentos de lado para conseguir fazer uma apresentação o mais real possível — salienta Rubini.
Os ensaios para a apresentação desse ano começaram ainda em março e a promessa de Rubini é uma encenação marcada pela emoção e autenticidade.
A emoção de ser a mãe de Jesus

Interpretar Maria tem sido uma das maiores honras de Edinete Luchi. A moradora de São Marcos conta que desde a primeira edição da encenação da Paixão de Cristo, em 2017, foi escolhida para viver o papel, o qual desempenha com carinho especial.
— Todo o grupo precisou estudar muito para entender como funcionava a apresentação. Já são nove anos nesse papel e sempre é emocionante ser a mãe de todas as mães — conta.
Nesse período, Edinete se tornou uma personalidade popular na cidade, reconhecida justamente por interpretar a mãe de Jesus. Para ela, a experiência se reflete diretamente na fé e na relação com os filhos.
— Quem é mãe conhece o sentimento da Maria durante a encenação. Então, eu acabo me colocando no lugar dela. Reviver ano a ano aquele momento da vida de Jesus e de Maria, entender o sofrimento e celebrar a vida é muito gratificante — reconhece Edinete.
O significado da Páscoa
- Segundo a tradição, a Páscoa é considerada a celebração mais importante, porque a ressurreição de Jesus é o evento central da fé cristã.
- Os fiéis creem que Jesus venceu o pecado e a morte, oferecendo a promessa de vida eterna.
- Através da morte e ressurreição de Jesus, os cristãos acreditam que seus pecados são perdoados e eles são reconciliados com Deus, recebendo uma nova vida em Cristo.
- A ressurreição de Jesus Cristo é ainda vista como prova do amor de Deus pela humanidade.
- Como disse o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15:14, “Se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é inútil, como também é inútil a fé que vocês têm.”
Curiosidades:
- Além do tio, primos de Giovani Mattiello também interpretaram Jesus na encenação de Garibaldi. Os familiares assumiram o papel quando Mattiello foi eleito vereador.
- No ano em que completou 33 anos, César Campeol vivenciou um momento curioso durante a encenação. Depois de três horas de espetáculo uma chuva torrencial caiu sobre Carlos Barbosa. O timing foi perfeito com o encerramento da encenação.
- Luciano Rubini quase foi agredido por uma mulher, emocionada com a cena de flagelo de Jesus, em Flores da Cunha.
- No momento em que Jesus foi erguido na cruz, o som de um trovão assustou a plateia, em São Marcos, na encenação do ano passado.
Programe-se
Confira onde ocorrem as encenações pela Serra gaúcha. Todas os espetáculos ocorrem na Sexta-Feira Santa.
Antônio Prado:
- 18h - encenação nas Escadarias da Fé
Bento Gonçalves:
- 19h - encenação no Morro da Cruz do bairro Salgado
- 19h - encenação no Morro da Antena, no Vale dos Vinhedos
Canela:
- 20h30min - encenação no interior da Catedral de Pedra
Carlos Barbosa:
- 15h - encenação em frente à Igreja Matriz até o Morro do Calvário
Caxias do Sul:
- 9h - encenação nos Pavilhões da Festa da Uva, no monumento Jesus Terceiro Milênio
Flores da Cunha:
- 18h - encenação nos Pavilhões do Parque da Vindima Eloy Kunz
Garibaldi:
- 16h30min - encenação em frente à Igreja Matriz até a Ermida Nossa Senhora de Fátima
Gramado:
- 20h - Procissão dos Passos na rua Borges de Medeiros, no Centro, com oito carro alegóricos encenando os últimos passos de Jesus
Nova Prata:
- 15h - encenação em frente à Igreja Matriz
São Marcos:
- 15h - encenação em frente à Igreja Matriz com procissão até o Monte Calvário