A pedra esculpe o tempo. Há nela passado, presente e, de certa forma, o futuro. Ela subverte os espaços familiares, pois nos transporta para um outro lugar. Toda vez que viajo e a mala passa pelo raio x do aeroporto fico imaginando a cara das pessoas ao verem minha bagagem com pedras embrulhadas e guardadas no bolso, junto das roupas. Eu coleciono pedras. E quando viajo deixo as pedras me escolherem. Acredito que as pedras nos carreguem para estados de nascimento. Nos contam histórias de como era antes, antes de tudo acontecer. As pedras nos oferecem o encontro com uma temporalidade profundamente diferente da que estamos hoje. Topar com uma pedra é permitir-se viver uma espécie de revelação. Carregam a força dos rios, o frio da montanha, o calor do vulcão. Nos falam das pegadas de quem pisou na história milhões de anos atrás. Tocar em uma pedra é fazer uma anamnese dos tempos, são os fatos em pedra. Ela vem antes do molde, antes da interferência humana. Quando nos abaixamos para pegar uma pedra do chão (e imagino que deva haver outros colecionadores como eu) criamos um vazio onde a pedra estava. Alteramos a geografia e tocamos os tempos do lugar singular que constitui algo que nunca chegaremos a conhecer.
COMO ERA ANTES
Opinião
Ser pedra
Alteramos a geografia e tocamos os tempos do lugar singular que constitui algo que nunca chegaremos a conhecer
Adriana Antunes
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