
Ver um filme que emociona. Aprender uma música querida em um instrumento. Ouvir uma canção que traz nostalgia. Presenciar um espetáculo que diverte. Ser impactado por uma escultura. Qualquer que seja a finalidade, praticar atividades culturais contribui para o bem-estar. E melhora a saúde mental.
É o que apontam duas pesquisas divulgadas no quarto trimestre de 2024 — uma britânica e outra brasileira.
A primeira é um estudo da Frontier Economics em parceria com o Centro Colaborador para Artes e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conforme a publicação, o envolvimento com arte e cultura propicia uma série de benefícios, como o alívio da depressão e da dependência de medicamentos.
A pesquisa associou desenvolvimento cognitivo e proteção contra o declínio mental ao consumo de cultura.
Já o estudo com foco no Brasil faz parte da quinta edição da pesquisa Hábitos Culturais, realizada pela Fundação Itaú em parceria com o Datafolha. O levantamento ouviu 2.494 indivíduos de todo o país em agosto de 2024.
De acordo com a pesquisa, 87% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que atividades culturais diminuem o estresse e a ansiedade, enquanto 86% apontam que melhoram a qualidade de vida.
As vivências culturais diminuem a sensação de solidão para 83% dos entrevistados, mesma porcentagem dos que consideram que contribuem positivamente para o relacionamento com as pessoas de casa. Além disso, 80% dizem que melhoram o relacionamento no trabalho.

Impactos elevados
Carla Chiamareli, gerente do Observatório Fundação Itaú, destaca que o impacto da cultura na qualidade de vida é elevado independentemente da classe social, do nível de formação e do porte da cidade do entrevistado:
— A cultura melhora a relação entre as pessoas e promove a sociabilidade. Isso, por sua vez, desenvolve o bem-estar. Também une os diferentes: na música, na dança, em museus ou no teatro, há pessoas variadas reunidas no mesmo lugar.
Acesso à cultura
Outro ponto indicado pela pesquisa Hábitos Culturais é que a sensação de melhoria da qualidade de vida proporcionada pela cultura é maior entre indivíduos com Ensino Superior (91%) em relação aos que têm Ensino Fundamental (83%). Essa diferença também foi percebida com relação à diminuição do estresse (91% contra 84%), de sensação de tristeza (89% contra 82%) e de sensação de solidão (85% contra 80%). Carla analisa:
— As pessoas com maior instrução consomem mais cultura e percebem mais benefícios. Isso provavelmente está atrelado ao fato de participarem de atividades culturais desde pequenas. Se a garantia do direito às linguagens da arte for levada para dentro das escolas, esses adultos serão consumidores de cultura. A política pública precisa pensar em levar isso de forma contínua e permanente para todos os indivíduos, do nascimento até a fase adulta.
Sensação de pertencimento
O psicanalista Edson Luiz André de Sousa afirma que a cultura é uma produção de linguagem que nos dá a chance de enriquecer nossa experiência de contato com o mundo:
— Compartilhar certos traços comuns de uma cultura produz essa sensação de pertencimento a uma determinada comunidade, e isso é fundante para o laço social.
Para ele, não há dúvida sobre o papel da arte e da cultura para a saúde mental. Ressalta que a arte tem o poder de acolher em situações de turbulências psíquicas, ajudando a encontrar novos sentidos para a vida.
O psicanalista acrescenta que todo ato criativo é fundamentalmente um ato utópico que nos convida a imaginar outras formas de estar no mundo.
— Tive experiências no meu trabalho de testemunhar que o encontro com um livro, por exemplo, pode salvar uma vida. Aqui cabe acrescentar a importância não só de consumir cultura, mas também de produzi-la. São muitos os exemplos daqueles que conseguiram encontrar um lugar no mundo a partir de uma obra criativa — relata.

Espaço para criar
Para a porto-alegrense Andressa Klemberg, 28 anos, uma coisa levou à outra. Ela conta que gostava de ler e criar histórias desde a infância, mas esse lado havia adormecido com a chegada da época do vestibular e, posteriormente, da faculdade.
Após se formar em Gestão em Saúde na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Andressa passou a ler dezenas de livros por ano e a frequentar eventos culturais. Sentiu que sua qualidade de vida aumentou consideravelmente.
— Sem arte, a vida fica muito triste. Quando não abrimos esse espaço, nos enclausuramos e nos desconectamos do nosso mundo — diz a consultora em gestão e saúde.
Após restabelecer um maior consumo de arte, Andressa, que também é escritora, reaproximou-se da criação. De lá para cá, lançou dois livros: Poesia para Começar (2022) e A Casa em Reformas (2023).
— É um espaço para se permitir criar e explorar sentimentos — define. — Também é uma maneira de se conectar a outras pessoas, de encontrar quem também gosta daquilo que a gente explora.
Proteção do cérebro
A neurocientista e professora associada da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Pâmela Mello-Carpes explica que fazer ou consumir arte mobiliza emoções positivas por ativar o sistema de recompensa do cérebro, gerando prazer e motivação, além de estimular o pensamento e a reflexão.
— Isso estimula redes neurais de aprendizagem, de memória e de pensamento crítico. Também promove no nosso cérebro a neuroplasticidade, que é a capacidade de estabelecer novas conexões, de se transformar à medida que se aprende coisas novas — explica.
Pâmela acrescenta que, à medida que desenvolvemos funções como pensamento crítico, reflexão e leitura, criamos uma "reserva cognitiva" que protege o cérebro.
— Quando começamos a perder redes neurais no processo de envelhecimento ou no processo demencial de uma doença neurodegenerativa (por exemplo, Alzheimer), o impacto dessa perda vai ser muito menor em quem já tem mais reserva cognitiva — conclui.