Há momentos na vida que são deliciosos. De pé na entrada do atelier olho para tudo pronto para iniciar mais uma oficina de escrita criativa. Atrás de mim um ar encharcado de chuva misturado com o aroma da feitura de um bolo exclusivamente para o dia. Respiro fundo sentindo os cheiros se agitarem e preencherem todos os espaços da casa. Pouco tempo depois a campainha toca e os alunos vão chegando aos poucos. Uns querem aprender técnicas de escrita, outros ter coragem de expor o que escrevem e alguns querem companhia. Os livros são os melhores companheiros que alguém pode ter, porque eles nos levam para dentro de seus mundos fantásticos e, ao mesmo tempo, nos apresentam pessoas como nós. Foram dois meses de muita escrita, leitura, risadas, lembranças, trocas. Sentados ao redor da mesa compartilhamos nossos escritos, olhares e comida, claro. Comida é amor, já dizia Mia Couto. Uma vez ali, cada um de nós ia ensaiando seus primeiros passos em direção à ficção.
Os lápis eram apontados, as canetas separadas, as borrachas entravam em ação e de dentro dos corações ansiosos, a coragem de se expor se fazia presente. Adoro observar os alunos e sempre que posso sou eu quem aponta seus lápis, é um jeito carinhoso de demonstrar incentivo. À medida que as conversas vão sendo travadas, o medo de estar diante de um desconhecido se dissipa. Enquanto escreviam, eu ficava imaginando cada um deles em suas rotinas diárias e me sentia feliz ao saber que ali, comigo, haviam abandonado todos os outros afazeres e mesmo cansados, estavam dispostos a se conhecerem melhor e escreverem. Há anos trabalho com literatura e oficinas de escrita e é impressionante como sempre é diferente. Cada turma tem seu jeito, seus desejos, sua forma única de se expressar. Guardo comigo os sorrisos, as leituras, o modo de resolver os conflitos dentro da escrita, as vitórias, as frases bem feitas, as metáforas perfeitas, o desfecho inusitado, o sorriso outra vez, agora de ter vencido a página em branco.
Quarta passada foi o encerramento. Fizemos um banquete cujo cardápio tinha contos, crônicas, pedaços de novela, salgadinhos e vinho. Depois, cada um deles voltou para suas vidas. Tomara que mais livres para serem quem nasceram para ser, sem medos ou represálias internas. Escrever é quase como cozinhar. É preciso desejo, amor e disciplina, mas principalmente, entrega. As palavras precisam ser escolhidas com cuidado, assim como os temperos. O texto precisa ser escrito com sabor, igual a um beijo demorado e profundo. O leitor precisa dar a primeira mordida e sentir os pés saírem do chão. A ficção precisa ser como um rio que serpenteia nosso corpo, tocando dedos, barriga, coluna, cabeça e sexo. O fim, como todo fim, silencioso e depois de um suspiro, voltar a abrir os olhos.